Por que alunos da rede federal têm desempenho parecido com estudantes de países desenvolvidos

Alunos do Colégio Federal Pedro 2° tocam instrumentos no campus Duque De Caxias, no Rio de Janeiro. Foto: Facebook

Por André Cabette Fábio.

Organizada a cada três anos, a prova do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) é a principal avaliação de educação básica do mundo, e foca em alunos de 15 a 16 anos.

Divulgados na terça-feira (6), os dados de 2015 apontam que o Brasil ficou estagnado desde 2012 nas três áreas avaliadas: matemática, ciência e leitura. Isso mantém o país no grupo daqueles com uma nota bem abaixo da média.

A pesquisa é organizada pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne países desenvolvidos), e avalia também nações que não são integrantes da entidade, como o Brasil.

O mau resultado no quadro geral é apenas uma das leituras possíveis. A comparação do desempenho entre os alunos brasileiros evidencia que há um outro problema a ser enfrentado pelo país: a desigualdades dos sistemas de ensino brasileiro.

No Brasil, a prova do Pisa foi aplicada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) em 23 mil estudantes de 841 escolas.

Segundo as informações detalhadas divulgadas pela entidade, a pontuação média da rede federal supera a municipal e a estadual, assim como a privada. No caso de ciência e leitura, esses alunos estão além inclusive dos estudantes de países desenvolvidos. Em matemática, quem está numa instituição federal brasileira empata com a média das notas dos estudantes de países da OCDE.

PONTUAÇÕES NO PISA

Segundo dados da instituição, a rede federal, a mais bem sucedida, responde por apenas 0,87% dos 43 milhões de alunos matriculados no ensino básico em 2015 no país.

Em entrevista ao Nexo, Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do movimento Todos pela Educação, afirma que o ensino federal é privilegiado por diversos fatores que não se aplicam mesmo a outras redes, incluindo a privada. Mas seu bom desempenho mostra o potencial dos alunos do país.

“A gente tem que olhar basicamente para nossa rede estadual, onde está a maioria dos jovens de 15 a 16 anos. Mas a rede federal mostra que o ensino poderia ser de qualidade no Brasil, ele não é um problema inerente do país”

Ricardo Falzetta – Gerente de conteúdo do movimento Todos pela Educação, em entrevista ao Nexo

O Nexo conversou com três estudiosos da área de educação para entender o bom desempenho da rede federal e qual é o desafio de replicar seu modelo.

Investimento é especialmente alto

Um dos pontos que chamam a atenção no relatório do Pisa é o investimento por aluno entre 6 e 15 anos praticado no Brasil. Ele é, em média, de US$ 38.190 por ano, ou 42% da média de US$ 90.294 praticada pelos países membros da OCDE.

“Aumentos de gastos ainda são necessários para se traduzir em melhor aprendizagem”, afirma o trabalho.

O investimento do Brasil é defasado, mas isso não se dá de forma uniforme. A rede federal tem um gasto médio maior por aluno do que a estadual ou municipal, afirmam os pesquisadores.

De acordo com Falzetta, isso assegura, por exemplo, a contratação de professores melhores. Ele ressalta que o investimento brasileiro em educação em relação ao PIB é similar àquele dos países desenvolvidos, de cerca de 6,6%. “Mas eles já estão em outro patamar. Se quisermos mudar de nível, precisamos ter um investimento maior, pelo menos por um período”, diz.

Na opinião de Antonio Augusto Batista, coordenador de pesquisas do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) mais verba também se reflete em bibliotecas e laboratórios, que são raros em escolas municipais e estaduais, e mesmo em grande parte das privadas.

Seleção de alunos turbina desempenho

Um outro fator que influencia no sucesso da rede federal é o fato de que a grande procura leva a maior parte das instituições de ensino a realizar algum tipo de pré-seleção de seus alunos, como vestibulinhos.

“É parecido com o que acontece com as escolas de elite da rede particular, que faz uma seleção dos alunos a partir da mensalidade”, afirma Fazetta. Em ambos os casos, os alunos tendem a ter acesso privilegiado a informações desde cedo, o que melhora o seu desempenho na escola.

Fazetta também destaca que os alunos que não conseguem acompanhar o curso, seja nas escolas particulares de elite, seja nas federais, tendem a deixá-lo, o que mantém o desempenho das instituições em avaliações em alta.

Batista, do Cenpec, ressalta que, apesar de membros de instituições federais de ensino tenderem a ter um nível socioeconômico maior, eles não pertencem em geral à elite econômica mais elevada do país.

Fazem parte de famílias de classe média que têm na própria educação o seu principal ativo, que permite que realizem trabalhos bem remunerados e mantenham seu padrão de vida.

Por exemplo: muitas instituições da rede federal estão associadas a universidades, e por isso grande parte dos alunos são filhos de docentes.

Ao procurar a rede federal, as famílias buscam garantir que seus filhos se manterão na mesma posição social.

Eles são privilegiados principalmente porque “têm recursos culturais mais altos”, afirma Batista. “É uma elite intelectual no caso das federais ligadas a universidades, e uma classe média que aposta muito na escola em geral”, diz Batista.

Fazetta ressalta que o investimento concentrado nesses alunos selecionados reforça desigualdades sociais.

Boa remuneração e estabilidade atraem melhores professores

A concentração de recursos no ensino federal garante uma melhor remuneração dos professores.

Segundo dados elaborados pela Todos pela Educação com base em informações do IBGE, o salário médio de um professor da rede federal de educação básica com carga horária de 40h semanais de trabalho em 2014 era de R$ 5.173,92. O valor é 65% superior ao rendimento médio dos professores da educação básica pública.

Em entrevista ao Nexo, Neide Noffis, diretora da Faculdade de Educação da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, afirma que os contratos desses professores também são mais estáveis, além de as condições de trabalho tenderem a ser melhores.

Isso permite que professores tenham apenas um emprego. O que significa disposição para lidar com os alunos e tempo para continuar estudando e preparar aulas.

Esses fatores somados fazem com que essas instituições sejam procuradas pelos melhores professores, o que leva a uma melhor qualidade de ensino. “Se o professor vê seu trabalho como subemprego e chega lá cansado, a qualidade do ensino cai”, diz Noffis.

Aplicação prática do conteúdo

A maior parte dos alunos de 15 a 16 anos na rede federal estão em instituições de ensino técnicas. Noffis destaca que elas tendem a apresentar o ensino como uma porta de entrada para o mundo do trabalho.

Por isso, o conteúdo é transmitido com enfoque na realidade prática e mesmo no ambiente em que os alunos vivem. Isso, afirma, confere um ensino mais estimulante e uma maior permanência estudantil.

“O ensino técnico tem a ver com o contexto local do jovem, com a sua possibilidade de se inserir no mercado. É algo mais fácil de perseguir como meta. Diferente de um conteúdo como ‘o rio tem que ser despoluído, não podemos cortar as árvores etc’, que ele aprende, mas no qual não tem condições e potência para interferir”, afirma Noffis.

Fonte: Nexo.

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