Por Marlene de Fáveri*
No Blog do Cadu – Fonte Revista Práxis, do SINTE.
Em 2015, assistimos a uma séria de debates sobre a palavra gênero e sua inserção nos planos estaduais e municipais de Educação e nos currículos escolares. Religiosos e parlamentares de diferentes instâncias e estados do país reverberaram que esse tema nas escolas levaria à destruição da família, no entendimento de que as crianças seriam levadas a escolher o próprio sexo. Parte da sociedade civil, sem análises e entendimento sobre a importância desses temas para a escolarização e para a vida, fez coro a essas vozes conservadoras.
Com a aprovação do novo Plano Nacional de Educação (PNE), em 2014, os municípios deveriam readequar as diretrizes, metas e estratégias para os planos municipais. As leis municipais e estaduais vigentes embasavam-se em legislações nacionais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996; Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), de 1998; Sexualidade e Pluralidade Cultural, tema transversal: Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, de 1996; Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, pela Secretaria de Política para as Mulheres, de 2011; Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, de 2013/2015; Lei Maria da Penha (11.340/2006); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, de 2011. Mas isto não acalmou os parlamentares.
Diante dos embates, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, através da Nota Técnica nº 24, de 17 de agosto de 2015, reiterava “a importância dos conceitos de gênero e orientação sexual para as políticas educacionais e para o próprio processo pedagógico”; como “categoria central no processo de construção de uma escola efetivamente democrática, que reconheça e valorize as diferenças, enfrentando as desigualdades e violências e garantindo o direito a uma educação de qualidade para todos e todas”. Era fundamental criar estratégias que atendessem às demandas como educação em direitos humanos, respeito às diferenças, incluindo classe social, orientação sexual, gênero e etnia racial.
Historicidade
A palavra gênero passou a ser utilizada como categoria de análise ainda na década de 1980. Se a sociedade era desigual no tratamento e prescrições/cobranças de posições e identificações entre os sexos, isto se devia à longa história de violência, dominação e relações de poder. Quando o feminismo emerge, revigorado, a denúncia à opressão vivida pelas mulheres ganhou visibilidade e suas reivindicações alcançaram as pautas na busca de direitos, cidadania e participação na esfera pública.
Gênero passou a integrar estudos acadêmicos, entendido como “um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos”, sendo “um primeiro elemento a dar significado às relações de poder”, na afirmação da historiadora Joan Scott*. Pesquisas sobre as relações entre homens e mulheres, entre homens e entre mulheres, mostraram como, nas diferentes culturas, as normas prescritivas produziam as diferenças. As mulheres eram tidas como úteros reprodutores e submetidas ao pátrio-poder.
No século XXI, segue a luta contra este preconceito. Se o gênero, incluso nos temas escolares é por excelência emancipador, por que tanto incomoda? O componente religioso evangélico e católico o vê como um destruidor da família nuclear, aquela em que a mulher diz sim, senhor; parlamentares que na sua maioria sequer se interessam em buscar o conhecimento sobre o assunto o demonizam. Não percebem que a violência doméstica e sexual está relacionada a uma cultura que deu, e ainda dá, primazia ao machismo; não observam que o femicídio, o assassinato de mulheres, grassa na sociedade (em 2014, passou a força a lei que criminaliza o assassino); ignoram que o estupro é um cancro social; não associam os preconceitos contra mulheres, mas também contra homossexuais, pessoas negras, imigrantes, como uma construção cultural, e que urge que se trabalhe arduamente nas escolas.
Nesse entremeio, está o medo dos homens, ou de grande parcela deles, do empoderamento das mulheres, que participam cada vez mais da esfera pública, tomam decisões, denunciam a opressão, e ganham mais visibilidade. Alcançaram a esfera da política, no parlamento, e hoje na presidência da República. Eram lugares esplêndidos dos homens, que agora têm de ouvi-las, e elas concorrem com eles aos lugares de mando.
O gênero nas escolas está de acordo com os princípios constitucionais dos direitos humanos; permite uma educação democrática e livre para todas as pessoas, ressaltando seus direitos a uma educação ampla e irrestrita, cuja principal função é ensinar o livre pensamento e a possibilidade de expressão a todas as crianças, jovens e pessoas adultas. Então, isto incomoda a quem mesmo?
* SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre 16 (2): 5-22, jul/dez. 1990, p. 5-22. P. 15.
*Pesquisadora do Laboratório de Relações de Gênero e Família da UDESC (LABGEF/FAED/UDESC)
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