Por dentro do 3º congresso do MBL

Por Carla Castellotti.

Surgido em 2014, o Movimento Brasil Livre (MBL) ganhou força ao defender o fim da corrupção na política nacional. Três anos mais tarde, depois de membros do movimento posarem ao lado de Eduardo Cunha (foto posteriormente apagada do Facebook do grupo) pedindo o impeachment de Dilma Rousseff, o movimento hoje apoia o governo Michel Temer e parece bem menos interessado no combate à corrupção.

A VICE esteve no 3º Congresso Nacional e acompanhou falas de líderes do movimento, políticos e apoiadores do MBL. No painel de abertura, “Os desafios do maior movimento político do Brasil”, Kim Kataguiri, os irmãos Renan e Alexandre Santos, Arthur do Val e o vereador Fernando Holiday (DEM) deram o tom do que veríamos ao longo do sábado e domingo (12). Kataguiri, coordenador nacional do MBL, disse que “política é disputa pelo poder. Enquanto discutíamos coisas técnicas, esquerda estava tomando o poder”.

Alexandre “Salsicha” Santos falou que “nossa proposta é eleger uma grande bancada [no Congresso]”, e afirma que o MBL não irá virar um partido. Seu irmão, Renan Santos continua a fala de combate a possíveis opositores e diz que “Luciano Hulk é um cara de esquerda.”

Ainda que com algumas divergências, a fala dos cabeças do MBL convergia no ponto da tal tomada do poder pela direita. Kataguiri, cuidadoso para não ser alvo do Tribunal Eleitoral, não confirmou sua candidatura para o ano que vem. Holiday, no entanto, apontou Arthur do Val, mais conhecido por sua atuação raivosa à frente do canal de YouTube Mamaefalei, como candidato a deputado estadual nas eleições de 2018.

Kim Kataguiri, na palestra de abertura do congresso. Foto: Facebook

Jovens e defensores do que chamam de liberalismo econômico, estado mínimo e pautas conservadoras, o grupo vive em seus celulares, se comportam como celebridades da internet, ambiente em que se tornaram conhecidos propagadores de notícias falsas. Matérias da VICE deram conta que militantes do MBL estão diretamente ligados à produção de fake news do Jornalivre, mesmo site que usava o computador alheio para minerar moedas virtuais. Depois da denúncia, o movimento retirou o script sem se pronunciar sobre o caso.

O MBL também é conhecido pelo ataque a jornalistasUma repórter da Folha de S. Paulo, inclusive, teve sua entrada barrada no congresso. O motivo? O jornal não teria tido o “enfoque certeiro” na matéria que anunciava o congresso.

Líderes do movimento dizem que o MBL não tem grana. Foto da autora

Cerca de 800 pessoas estiveram presentes no primeiro dia do congresso, segundo o BuzzFeed. Era um público na sua maioria jovem, masculino e branco. Entre cerca de 50 palestrantes, apenas dois eram mulheres. Em telões no auditório havia uma mensagem pedindo colaboração em dinheiro para o MBL. Coordenadores do movimento, especialmente Renan Santos, diziam fazer parte de um grupo sem dinheiro. Em um dos vídeos em que pediam ajuda financeira — usaram um trecho do desenho Beavis and Butthead —, a mensagem: “não seja um hater de sofá”.

“Não seja um hater de sofá”, slogan do MBL para atrair a militância

Outro vídeo exibido no congresso mostrava imagens de artistas que deviam ser combatidos. Manchetes de veículos eram usadas de forma irônica para justificar a atuação do MBL. Entre eles, a entrevista publicada na VICE: “O MBL se acha no direito de dizer o que vamos ler, ouvir e assistir”, diz curador da Queermuseu.

De volta ao final da primeira mesa do congresso, Kataguiri convocou a militância: “Política real é tirar a foto com Cunha e derrubar a Dilma. Política agora é tomar posição. A política aqui mudou graças a nós. A maioria que está aqui não está mais silenciosa”.

Painel de ódio

O congresso pareceu dividido em mesas com temas para atiçar a militância enquanto a fala dos políticos soou, em geral, menos polemista. Na agenda política do movimento, não foram feitas propostas concretas para geração de emprego e renda no país. O cientista político João Alexandre Peschanski, professor da Cásper Líbero, diz que não vê pautas sociais no discurso do MBL, “a pauta deles é efetivamente política”. Para Peschanski, o grupo “usa esse tipo de discurso que na minha visão, basicamente, é uma forma agressiva de lutar contra aquilo que eles enxergam como seus oponentes, a esquerda”.

Renan Santos deu início à mesa sobre impactos da reforma trabalhista se dizendo perseguido pela Justiça. O dia 11 de novembro foi tratado pelo movimento como um dia histórico. A plateia aplaudiu bastante o fato de que o imposto sindical se tornou facultativo. “Vamos botar esse povo pra trabalhar”, disse Renan, que admitiu ter muitos processos correndo na Justiça trabalhista. Matéria do UOL de 2016 informava que o integrante do movimento responde a mais de 60 processos.

O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma trabalhista na Câmara, também participou do painel. Segundo ele, a Justiça Trabalhista “se tornou justiça social contra o empreendedor brasileiro”. Ele também disse ser contra o que chamou de “ativismo judicial”. Ao se referir à CLT, o político acredita que “o custo do trabalhador brasileiro desestimula o empreendedor a contratar”. O STF investiga Marinho por relação com terceirização de funcionários fraudulenta.

Dono das lojas Riachuelo, o empresário Flávio Rocha também esteve na mesa, como exemplo de empreendedor que partiu para o “pau” contra a Justiça Trabalhista. Rocha responde a ação judicial por terceirizaçãoO Ministério Público do Rio Grande do Norte também o acusa de coação, calúnia e injúriadepois de chamar a procuradora regional do Trabalho Ilena Neiva de “louca”, “perseguidora” e “exterminadora de empregos”.

Durante sua fala, Rocha se referiu à Justiça do Trabalho como um “manicômio judiciário”. Para ele, “quem mais sofre com isso (ações trabalhistas) é o elo mais frágil”, que, segundo o empresário, seriam os próprios empreendedores.

Joice Hasselman, orgulho de ser de direita. Foto: Facebook

O discurso delirante da direita no combate à esquerda ganhou força na mesa “O Papel da Direita no Brasil pós-impeachment”. O MBL parece ter dedicado um painel inteiramente ao ódio contra o PT. A jornalista da rádio Joven Pan Joice Hasselmann, que se intitula “ativista contra a bandalheira”, abriu o painel com a piada:

— Esqueceram um celular aqui. Se a gente fosse de esquerda já tinham embolsado. Nós não, nós somos de direita!

Hasselmann arrancou gargalhadas da plateia e continuou: “As pessoas passaram por um processo de emburrecimento no Brasil e a mídia teve um papel fundamental nisso. Nós começamos um processo de educação política no Brasil.”

A jornalista, orgulhosa da sua posição político partidária, puxou a militância: “Precisamos endireitar o Brasil, acabar com a esquerda.” Para Hasselmann, “a ideologia de Lula é roubar”.

O escritor Guilherme Fiuza, por sua vez, fez questão de relativizar o combate à corrupção um dia defendido pelo movimento: “Temer é um governo de transição, e ainda que as pessoas liguem o nome dele à corrupção, há um ciclo virtuoso, ele entregou reformas, entregou resultados na economia”.

Defensor da “vida, da família e das crianças”, o vereador por Londrina Felipe Barros (PRB-PR) disse que a despeito da polarização nas ruas, “o Brasil se uniu para dizer que pedofilia não é arte”. Barros incitou a militância contra políticos corruptos: “Toda vez que vir um político desses no aeroporto, vocês devem xingar de corruptos e vagabundos”.

O jornalista Alexandre Borges, que “surfa uma onda conservadora”, disse que a missão do MBL no Brasil pós-impeachment é ver a direita ganhar a eleição de 2018.

Bene Barbosa, militante pelo armamento da população. Foto: Facebook

O painel sobre segurança pública contou a presença do defensor do porte de armas no Brasil Bene Barbosa. Ainda que ele seja uma referência no meio da turma que quer o armamento da população no país, Barbosa só falou sobre o tema quando perguntado por um jovem da plateia.

Para Bene o código penal brasileiro é “obsoleto”. Ele defende a expansão do encarceramento no Brasil e acredita que a menoridade penal gera ainda mais impunidade no país. Bene diz que a Constituição é “socialista”.

Os integrantes da mesa também defendem a tese de que violência nada tem a ver com desigualdade social. Eles acreditam na ideia, subjetiva, que a moral e o caráter são os verdadeiros responsáveis pelos altos índices de violência no país.

Nesse ponto, Bene acusa a ala mais à esquerda no Brasil de ter preconceito de classe ao dizer que violência vem da desigualdade: “Já que todo pobre é bandido, a esquerda é preconceituosa”, diz. “Quando eles (esquerda) gritam que é absurdo que um segurança escolte pobres dentro de um shopping center, é a esquerda que diz que os pobres são criminosos e por isso eles (pobres) devem ser vigiados”.

Consenso entre os participantes da mesa, o problema no sistema prisional no país é a impunidade. A superlotação das prisões seria apenas uma consequência diante de tantos crimes cometidos por aqui, e as penas deveriam ser mais rígidas. Para o promotor do RJ Marcelo Monteiro, o ideal é que sejam construídas novas prisões.

Criadora da página no Facebook Moça, não sou obrigada a ser feminista, Thais Godoy Azevedo perguntou aos participantes da mesa por que não são levados em consideração os casos de violência doméstica contra homens no país. Ela foi bastante aplaudida.

Os presentes no painel não acreditam no conceito de feminicídio, crime de ódio baseado no gênero. O Brasil possui a quinta maior taxa de feminicídio no mundo. A Organização Mundial da Saúde tipifica o conceito para medir o número de homicídios femininos no mundo. O Fórum Econômico Mundial mede a desigualdade entre homens e mulheres levando em consideração atores econômicos, saúde, educação e participação política das mulheres em comparação com os homens em determinada sociedade. Dados da organização apontam que a igualdade de gênero só será possível em 2095. O IBGE, por sua vez, aponta que a renda das mulheres no Brasil equivale a cerca de 68% da renda masculina.

Bene, no entanto, diz que “as feministas deveriam ser as primeiras a se armar”. “Tenho até o slogan”, diz ele, “se homem armado mata, mulher armada sobrevive”. O promotor Marcelo Monteiro, por sua vez, acredita que a lei Maria da Penha é inconstitucional “porque fere o direito à igualdade (previsto na Constituição).”

Discurso político

Consideravelmente menos polemista que a fala dos convidados, políticos usaram o palco do congresso como palanque e não se furtaram de atacar o PT e Lula.

João Doria (PSDB) foi a presença mais aguardada no primeiro dia de congresso. O prefeito de São Paulo tratou o MBL como “força jovem e inovadora” da política nacional. Doria, que não se referiu a si mesmo como gestor, desceu do palco e discursou enquanto circulava entre o público presente.

Prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Foto: Facebook

O político aproveitou o espaço para ressaltar sua atuação na área da saúde. Falou como o programa Corujão da Saúde acabou com a fila por exames na capital paulista em menos de três meses. Os números expostos por Doria, segundo a Agência Lupa, são exagerados.

O prefeito de São Paulo também culpou a gestão petista de seu antecessor Fernando Haddad pela escassez de medicamentos em postos de saúde e hospitais municipais. Doria não falou sobre ter conseguido a doação de remédios próximos a data de vencimento.

Após falar sobre sua atuação à frente da prefeitura, Doria emendou num discurso mais emotivo, lembrou que seu pai é baiano (“metade do meu coração é nordestino”) e explicou que entrou na política para “sair da sua zona de conforto”. Nas palavras do prefeito: “Quero que meus filhos tenham orgulho do Brasil.” Ao fazer referência ao racha em seu partido, afirmou: “Nesse sentido não sou tucano; eu tenho lado” e continuou: “a razão final que me fez vir para a política foi o PT; eu cansei de roubalheira”.

Sem mencionar seu interesse em sair candidato a presidente em 2018, Doria acredita que no próximo pleito “o PT vai perder no voto”. Em resposta a questionamentos do público, disse que seu programa de desestatização pretende enfrentar o Tribunal de Justiça e o Ministério Público. Caso seja presidente, o político afirmou que privatizaria aeroportos, portos, hidrovias, a Petrobras e os Correios.

Para o cientista político Peschanski, “o MBL continua preso a uma certa tendência a caricatura do Lula, e não a fazer um enfrentamento de ideias que, talvez, o levasse a uma posição política mais responsável”.

O segundo dia do congresso teve início com a fala de vereadores apoiados pelo MBL — nem todos faziam parte da militância ao se elegerem. Os oito parlamentares defendem o enxugamento da máquina pública e pautas como o escola sem partido e o fim da ideologia gênero em colégios.

Para Fernando Holiday (DEM), 20, a “palavra de ordem na Câmara Municipal de São Paulo é privatização”. Holiday não mencionou denúncias de caixa dois em sua campanha, assim como não falou sobre o MP-SP ter investigado sua atuação surpresa em escolas municipais em São Paulo para fiscalizar se havia “doutrinação ideológica” nos colégios.

Mais moderada do grupo de parlamentares do MBL, Carol Gomes (PSDB), 27, vereadora por Rio Claro, no interior de São Paulo, disse que política é “a arte de fazer concessões”. Na ala mais inflamada do movimento, o vereador por Londrina Felipe Barros (PSDB), 25, pediu para que o público gritasse xingamentos imaginando que ele fosse o ex-presidente Lula. “Chama de vagabundo, canalha!”, incitou ele. Do público, um tanto tímido, se ouviu “filho da puta!”.

O MBL hoje representa a ala jovem de apoio a uma possível candidatura de Doria à presidência em 2018. O grupo, ainda que se diga representante da nova política nacional, também defende evangélicos (mesmo que Marco Feliciano não tenha comparecido ao evento) e o agronegócio, duas das bancadas que mais crescem no Congresso.

O racha no PSDB, partido de muitos dos militantes, foi comentado entredentes no congresso. Alckmin foi criticado e, sem a confirmação de Doria no páreo de 2018, o grupo afirma que será pragmático em apoiar um candidato, independentemente de partido, mas que leve a pauta liberal e moralista do MBL à diante.

O professor João Alexandre Peschanski analisa que “o discurso do MBL não é inédito no Brasil”. “A defesa, a violência ou até a violência extremada do livre mercado é um discurso que remonta os momentos do neoliberalismo do próprio Collor”, pondera ele ao lembrar que os governos FHC, Lula e Dilma também seguiram o modelo neoliberal.

Sobre o futuro da militância em 2018, Peschanski diz: “Se a sociedade conseguir mudar os jogos da política, tornando-a menos corrupta, o MBL vai jogar esse jogo, mas se o jogo da política continuar como ele é, e o MBL se quiser ganhar esse jogo, ele vai ter que jogar o jogo como tem que ser jogado”.

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Fonte: Vice Brasil.

 

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