Por Aylan, que a indignação se transforme em ação pela humanidade

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Por Rodrigo Borges Delfim.

Seu nome era Aylan. Ele tinha três anos e vinha da Síria. Estava com a família em um dos botes que naufragou enquanto tentavam passar da Turquia para a Grécia. O fim da última viagem se tornou conhecido no mundo todo pelas imagens que viralizaram nos meios de comunicação e redes sociais na última quarta-feira (02/09): sem vida, em uma praia na Turquia.

O MigraMundo se reserva ao direito de não usar a foto em si, já suficientemente exposta mundo afora – em seu lugar, utiliza uma ilustração divulgada pelo Europe says OXI que procura homenagear o menino. Mas mensagem que a imagem carrega é triste, crua e assustadoramente real. E a hashtag que a acompanhou na web é igualmente direta: #kiyiyavuraninsanlik, algo como “a humanidade se choca contra a costa”, em turco.

Aylan é o símbolo de um crise humanitária que se agrava a cada dia, já gerou e ainda vai gerar novos Aylans. Não é de hoje que estudos, organizações humanitárias, indivíduos, agências de notícias e outros meios denunciam essa realidade. Não é de hoje que pessoas que se deslocam em busca de uma vida melhor – ou simplesmente para preservá-la – acabam encontrando justamente a morte da qual tanto fugiam.

Quando vi a foto de Aylan, depois do choque que ela causou, logo me veio à mente o livro Existem Crocodilos no Mar, um dos melhores e mais reveladores que já li sobre a temática migratória e todo o drama que ela envolve. O nome do livro, aliás, faz referência a um dos momentos mais dramáticos da jornada do protagonista, um menino afegão chamado Enaiat. Ele e outros quatro garotos tentaram atravessar o mar entre a Turquia e a Grécia – assim como a família de Aylan e milhares de outros tentam diariamente. Enaiat sobreviveu para contar sua história, mas seus colegas e tantas outras que buscam uma vida melhor longa da terra natal, independente do motivo, não tiveram a mesma sorte.

As mazelas do mundo – conflitos armados, desastres climáticos, deslocamentos, perseguições políticas, crises econômicas, entre outras – continuam a produzir novos Aylans e Enaiats. Essas mazelas, contra as quais a comunidade internacional pouco ou nada faz para agir e muitos cidadãos preferem ignorar ou ver como algo distante, mancham as terras e mares de sangue e levam a questionar a existência e validade de conceitos como humanidade e dignidade.

Esses questionamentos são acompanhados de uma sensação de impotência, de depressão, de um círculo vicioso sem fim. Afinal, os fatores que geram esses deslocamentos em massa estão em plena atividade e prontos para fazer novas vitimas.

Mas o que fazer? Como impedir que novas mortes engrossem as valas comuns que se tornaram os caminhos para quem tenta fugir justamente da morte?

É verdade que é impossível mudar toda uma realidade de uma hora para outra, ainda mais se tratando de um tema complexo como a migração, independente do motivo que leve ao deslocamento. Mas o entorno de cada um pode, sim, começar a ser mudado com atitudes simples, que fomentam outras maiores e mostram a possibilidade de uma outra realidade.

Uma maior consciência humana em meio às sociedades é arma poderosa para pressionar governos a adotarem posturas e políticas mais humanistas. Na Alemanha, um site tem promovido o compartilhamento de apartamentos com refugiados, ao estilo Airbnb; na Áustria, cerca de 20 mil pessoas foram às ruas em apoio aos refugiados; na Islândia, atendendo ao chamado de uma escritora, pessoas se mobilizaram para abrigar refugiados em suas casas; em Barcelona (Espanha), um cadastro com famílias dispostas a receber refugiados (algumas dessas práticas estão resumidas neste texto). E isso para citar apenas exemplos que ocorrem na mesma Europa onde predominam políticas e ideias segregacionistas e xenófobas.

Um jornal holandês chamado De Volkskrant declarou que “a foto de Aylan “precisa mudar a Europa”. Não só a Europa, mas toda o mundo. Mas essa mudança depende de ações concretas – como as iniciativas independentes da Alemanha e Islândia, a pressão sobre os governos para uma política que preze o ser humano, o combate diário a ideias e estereótipos xenófobos e discriminatórios, entre outras. Combinadas, essas ações e as ideias que as baseiam têm potencial para ajudar nessa mudança.

A humanidade e cada um dos indivíduos e sociedades que a compõem não podem ficar parados. É preciso transformar a indignação com a situação desumana dos que se deslocam em força para agir. É o mínimo que o mundo ainda pode fazer por Aylan, em respeito a ele e a todos aqueles que ele representa, e para que não tenham o mesmo fim trágico.

Foto: Reprodução/MigraMundo

Fonte: MigraMundo

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