Por Cida de Oliveira.
Segundo menor estado brasileiro, com cerca de 28 mil quilômetros quadrados, Alagoas é o maior produtor de cana do Nordeste e um dos maiores produtores de açúcar do mundo. Entre seus compradores está a Rússia, que compra 75% da produção. Há destaque também para o cultivo de abacaxi, coco, feijão, fumo, mandioca, algodão, arroz e milho. Aos poucos, vão chegando fazendas de soja e eucalipto.
De todos os estabelecimentos agrícolas, 93% são da agricultura familiar. São em geral pequeninas roças no Agreste e Semiárido, que produzem alimentos de subsistência ou para abastecer as feiras na região. Já os 3% restantes se espalham em grandes latifúndios, sobre as terras mais férteis e com acesso à água e à irrigação. O Rio São Francisco atravessa o estado. São justamente esses estabelecimentos que despejam sobre praticamente todo o estado toneladas de agrotóxicos.
“Alagoas é a quarta unidade da federação com maior densidade demográfica. É gente para todo o lado na zona urbana e rural. E as pulverizações fazem mais vítimas onde tem mais gente, conforme demonstra uma pesquisa da Embrapa. Isso sem contar a contaminação dos cursos d’água, dos animais, apicultura. O estado conta, proporcionalmente, com uma das maiores frotas de aviões agrícolas”, disse à RBA o agrônomo Ricardo Ramalho, diretor do Instituto Terraviva.
Para se ter uma ideia da densidade populacional, Alagoas tem mais de 3,3 milhões de habitantes, pouco menos que os 3,5 milhões matogrossenses. Só que o Mato Grosso, que tem 903 mil quilômetros quadrados.
Pulverização de agrotóxicos
Entre 2000 e 2019 foi registrado aumento de 42% dos ingredientes ativos comprados/vendidos no estado, o que fez de Alagoas o 17° em relação às demais unidades da federação. Entre os 10 ingredientes ativos mais vendidos no território alagoano estão os herbicidas glifosato, 2,4-D, diurom, atrazina, ametrina e hexazinona, usadas principalmente no cultivo de cana, soja e milho, entre outros.
Os impactos de tanta pulverização de agrotóxicos já aparecem. De acordo com dados de setembro da Secretaria Estadual de Saúde, os agrotóxicos despontam como a segunda causa de tentativa de suicídio por envenenamento no período de 2016 a 2020.
Entre as vítimas, a maioria (57%) era do sexo feminino. A faixa etária mais acometida foi de 20 a 29 anos (31%). A maioria das vítimas (12,6%) tinha da 5ª a 8ª série incompleta. Do total, 24% dos casos tinham como vítimas estudantes e 19% donas de casa. A residência foi o local em que mais ocorreram as intoxicações (85%).
Diante dessa situação, há três anos um grupo grande começou a discutir o tema tão complexo, com o objetivo de conscientizar a população atingida e buscar saídas. Juntaram-se representantes da Articulação Alagoana de Agroecologia – Rede Mutum, a Articulação do Semiárido (ASA), Colegiado do Alto Sertão, Comissão de Produção Orgânica, Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Fetag), Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA-Agroecologia), a Consultoria Estadual Agroecologia nos Municípios (AnM), e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia). Com o passar do tempo vieram sindicatos e entidades de trabalhadores rurais.
No final de outubro, os ativistas começaram a coletar assinaturas para proibir a pulverização de agrotóxicos. A ideia é coletar 23 mil assinaturas em formulários espalhados, com indicação do número de RG e o CFP. O número corresponde a 1% do eleitorado.
Benefícios fiscais
“Ainda não sabemos o número de subscritos, mas esse processo de coleta tem sido muito importante para a conscientização da população. Poderíamos abordar deputados afeitos ao tema, e pressionar os demais. Mas o projeto de lei de iniciativa popular permite justamente esse debate. É uma jornada de conscientização”, disse Ricardo.
Até agora, o Ceará é o único estado que proibiu a pulverização. A disputa com os ruralistas, que são contrários, é permanente. O tema chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que está julgando pedido de inconstitucionalidade movido pela Confederação da Agricultura e Pecurária do Brasil (CNA)
Pesam também contra os agrotóxicos em Alagoas os benefícios fiscais. Há 20 anos o governo alagoano isenta, total ou parcialmente, a alíquota que incide sobre o recolhimento do ICMS sobre os agrotóxicos.
O Observatório de Estudos sobre a Luta por Terra e Território (Obelutte), vinulado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Análise Regional (Gepar) da Universide Federal de Alagoas, fez uma série de levantamentos sobre as perdas com renúncia fiscal. O quadro a seguir dá uma ideia, mas o que o governo deixa de arrecadar é bem maior que isso. As estimativas não levam em conta a circulação de todos os produtos.
Pulverização de agrotóxicos e de impostos
Segundo os pesquisadores, se o governo não desse todo esse apoio – Convênio 100/97, além de outros pactos fiscais e legislação flexível – os agrotóxicos não gozariam de tamanho alcance. “A vigência do Convênio 100/97 tem servido como um verdadeiro estímulo ao uso de pesticidas em Alagoas, pois seus dispostos oferecem isenção parcial ou total de ICMS sobre os produtos que circulam no território alagoano”, dizem em trecho do relatório.
A pulverização de agrotóxicos é causa primária de parcela importante das intoxicações exógenas no estado, segundo eles. Em 13 anos (2007-2019), mais de 1.300 pessoas acabaram se intoxicando após algum nível de exposição. Desse número, quase 40 indivíduos perderam a vida e, aproximadamente, duas dezenas se recuperaram com sequelas. Os pesticidas também são responsáveis pela contaminação das águas, dos solos, do ar, da flora e da fauna. Certamente, um prejuízo ambiental que se acumula com o tempo e que é de difícil mensuração.
Em resumo, os pesquisadores afirmam que os incentivos fiscais fomentam uma agricultura químico-dependente em Alagoas e acarretam graúdas consequências à sociedade. “Faz-se necessário alterar esse cenário, através de medidas emergenciais que onerem a circulação de agrotóxicos, imponham proibições/restrições de uso e promovam uma prática agrícola, progressivamente, livre de pesticidas”.