Por Matheus Pichonelli, Yahoo.
Se tudo der certo, daqui uns anos, a maioria dos brasileiros se lembrará dos tempos em que se matava e se mandava matar por política como um quadro desbotado e distante na parede.
Não há mal que dure para sempre, diz o ditado. E nenhuma experiência trágica na história se conservou intacta. Ditadores caem. Governos autoritários se explodem. Regimes escravocratas se esgotam. Não por força da natureza, mas por novas configurações e demandas históricas. E lutas.
O Brasil terá em breve, nas urnas, a chance de mostrar se a opção por um líder tão violento quanto despreparado para lidar com o momento histórico, desafiado por mudanças profundas nas bases sociais e econômicas –e por impactos igualmente profundos na forma como pensamos, agimos e nos entendemos diante do mundo – foi um soluço, resultado de tempos confusos, ou uma guinada. Há tempo para corrigir a rota.
Para muitas famílias, as marcas dos tempos guiados pela estupidez levarão anos para serem removidas ou atenuadas. Muitas dessas manchas serão perenes.
Que o diga a família de Marcelo Aloizio de Arruda, guarda municipal condenado à morte por um seguidor de Jair Bolsonaro por comemorar sua festa de 50 anos com a bandeira do PT.
O crime não brotou do nada. Foi plantado num terreno semeado a ódio e desprezo ao longo dos anos.
Esse ódio transformou um militar violento e indisciplinado em alternativa palatável em um campo político depredado por seus atores. Três anos e meio depois esse país ficou a cara de seu presidente: agressivo, intolerante, incapaz de pensar ou demonstrar solidariedade com quem quer que seja a não ser ele mesmo.
Já foi dito, mas não custa repetir: ninguém está mais seguro em um país governado pelo ódio.
A insegurança alimentar em um país que empobrece é um dos muitos legados visíveis do mapa atual. Em breve os donos do dinheiro perceberão que não é exatamente um bom ambiente para negócios o país em estado de conflito onde todos apontam as armas para todos.
Jair Bolsonaro pode não ser o único, mas inegavelmente é um dos principais antes políticos responsáveis por tirar do armário o que a população têm de pior.
É como definiu o ex-banqueiro Paulo Dalla Nora Macedo, empreendedor social que se mudou para Portugal por não conseguir mais conviver com seus pares idiotizados e tomados pelo ódio em seu país, em entrevista para o UOL: “Aquelas pessoas que saíram do armário, na acepção ruim da expressão, e se sentiram autorizadas a expressar o racismo, a misoginia, o preconceito, a desfaçatez e até a falta de educação sem pudor, elas não vão desaparecer do dia para a noite”.
O relato do empreendedor é o relato de quem observou o fenômeno por dentro. É como se, com um representante de seus desejos mais primitivos no poder, uma multidão se sentisse autorizada a maltratar minorias e subalternos a partir de uma moral elástica, como Macedo define, e que prega o extermínio de “inimigos” para abriga predadores sexuais, torturadores, criminosos ambientais ou gente armada capaz de destruir uma família porque se incomodou com o tema de uma festa de aniversário.
Esse lado perverso sempre existiu. Mas nunca foi tão ostensivo. Basta reparar no discurso de quem está do seu lado e que ontem não tinha recursos ou coragem para defender teses até então indefensáveis.
“Quem tinha um pouquinho de pudor e se continha não tem mais. Isso me incomodava demais”, definiu Nora Macedo, que outro dia ouviu de um (ex) amigo uma sentença: “o bolsonarismo é libertador”.
Pois é. Isso de fato explica muita coisa. “É como se fosse possível voltar a falar e agir como trogloditas impunemente”.
Vai ser difícil convencer os trogloditas a botarem suas armas na caixa novamente. Muitos preferem matar e morrer a ter de viver sob as mesmas convenções sociais de sempre.
O assassinato de uma liderança petista no Paraná mostra que a turma não está para brincadeira.
E que os esforços para limpar o chão de um país tomado de sangue e ressentimento (quando não de fezes espalhadas pela turma em rebelião) não acabam em outubro.
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