Por Marina Rossi.
A segunda manifestação do ano contra o reajuste da tarifa do transporte público em São Paulo, que subiu de 3,50 para 3,80 reais no sábado, foi literalmente sufocada nesta terça-feira pela Polícia Militar, sob comando do Governo Geraldo Alckmin (PSDB). Após os manifestantes se recusarem a seguir rota determinada pela PM, os soldados, que já cercavam a concentração de ativistas, utilizaram dezenas de bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes convocados pelo Movimento Passe Livre. Mais de 20 pessoas ficaram feridas e ao menos oito foram detidas.
O tumulto foi iniciado antes mesmo da marcha sair. A concentração do ato foi na Praça do Ciclista, no encontro da avenida Paulista com a rua da Consolação. Ali, a Polícia Militar e policiais da Tropa de Choque fizeram um isolamento da área, permitindo a entrada somente pela rua da Consolação, por uma pequena passagem. Todo o resto dos acessos estavam bloqueados pela polícia. Nem mesmo a imprensa era autorizada a passar. As ruas adjacentes também estavam bloqueadas. Todas as possíveis rotas de fuga tinham cordões de policiais. Os sinais do que poderia acontecer na sequência já estavam claros.
A Secretaria de Segurança Pública havia determinado que a manifestação deveria descer pela rua da Consolação em direção ao centro da cidade. Por isso, fechou as vias ao redor do local. Os manifestantes, porém, queriam seguir para o Largo da Batata, na direção oposta à decidida pela Polícia Militar. Era uma questão de tempo – e pouco tempo – para que a PM reagisse. Os adeptos da tática black bloc, que sempre ficam na dianteira dos atos, tentaram romper o cordão de isolamento da Polícia, que reagiu prontamente jogando diversas bombas de gás em direção aos manifestantes. Encurralados na área entre a Paulista, a Consolação e a Bela Cintra, não conseguiam fugir das bombas, enquanto diversos jornalistas foram impedidos, pelo cordão policial, de entrar no local e registrar os abusos.
A reportagem presenciou bombas sendo jogadas da sacada de um prédio na esquina da Paulista com a Consolação. Também foram arremessadas bombas em direção aos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas. Ao menos uma repórter da TV Gazeta foi ferida, além de mais três fotógrafos.
Guiados pela resistência, parte dos militantes decidiram descer a rua da Consolação depois que as bombas cessaram na região. Chegaram até a altura do cemitério da Consolação gritando “sem violência”, pedindo pela tarifa zero e pelo fim da Polícia Militar. Decidiram então entrar à esquerda, em direção ao bairro de Higienópolis, zona nobre da cidade. Ali, o Batalhão de Choque reprimiu mais uma vez os manifestantes, em um jogo de gato e rato atrás de quem sobrara. Diversos sacos de lixo foram espalhados pelas ruas por manifestantes, na tentativa de formar barricadas. A essa altura, o ato já estava completamente disperso.
Segundo o Grupo de Apoio ao Protesto Popular (GAPP), ao menos 24 pessoas ficaram com ferimentos graves e foram atendidas ainda nas ruas pelos ativistas do Grupo. Ao menos 25 pessoas foram encaminhadas ao Hospital das Clínicas e três foram para a Santa Casa. O estudante de arquitetura Gustavo Camargo, 19, foi gravemente ferido por um estilhaço de bomba, enquanto estava encurralado na avenida Paulista. Ele teve uma fratura exposta e quebrou alguns ossos de um dos dedos da mão direita. Não se sabe ainda se vai recuperar os movimentos. A mãe do estudante, a advogada Ana Amélia Mascarenhas Camargo afirmou que o médico disse à família que “trata-se de um ferimento típico de um estilhaço de bomba”, e que “com certeza processaremos o Estado”. Gustavo foi atendido no hospital Albert Einstein.
“Necessidade de dispersão”
Ainda enquanto a polícia corria atrás de manifestantes pelo centro da cidade, o secretário de Segurança Pública, Alexandre Moraes, convocou uma entrevista coletiva para apresentar o balanço da ação. Afirmou que ao menos oito pessoas foram detidas, além das quatro que já estavam presas, uma desde sexta-feira da semana, e outras três desde ontem, mas ele não as mencionou na coletiva. Segundo Moraes, a “necessidade de dispersão” ocorreu porque os manifestantes tentaram romper o cordão de isolamento da Polícia.
“Não é possível que os manifestantes queiram livremente bagunçar a cidade toda”, afirmou Moraes. Segundo ele, a polícia usará essa “estratégia” em todas as manifestações cujo roteiro não for apresentado previamente às autoridades. “Chamamos diversas vezes o MPL para conversar e eles não vieram”, disse. “Pedimos que eles comuniquem por ofício o traçado, se não quiserem se reunir [com a secretaria de Segurança]”.
Segundo Moraes, a “Constituição demanda isso [comunicar o roteiro de uma manifestação previamente]”. Ele diz que não houve abuso da polícia em relação aos manifestantes. “Houve a necessidade da utilização do uso progressivo da força porque tentaram romper o cordão”, disse.
Sobre ação da PM em relação à imprensa, Moraes afirmou que “a recomendação é garantir a liberdade de imprensa. Se houver abuso e comprovação do abuso, será apurado”. Antes do ato começar, ao menos um fotógrafo e um repórter foi revistado pela Polícia, mesmo estando credenciado. Teve seus equipamentos revistados e suas credenciais fotografadas. O fotógrafo André Lucas Almeida foi obrigado a entregar seu cartão de visita para um PM.
Uma agência da Caixa e parte do Instituto Cervantes, na avenida Paulista, foram alvos de ação depredatória.
Novos atos
Dois novos atos já estão marcados para esta semana. Serão na quinta-feira, com concentração no Largo da Batata, na zona oeste da cidade, e no Theatro Municipal, no centro. A reportagem apurou que o MPL ainda deve discutir internamente se os roteiros das marchas serão enviados previamente à secretaria de Segurança.
Os atos do MPL costumam ter seus roteiros decididos na hora, por meio de uma assembleia com os manifestantes. Foi isso o que ocorreu nas manifestações do ano passado. Neste ano, porém, no primeiro ato, na sexta-feira já não houve assembleia, assim como a marcha desta terça, onde um jogral foi realizado apenas para afirmar que o ato iria para o Largo da Batata. Além de convocar atos de rua, o MPL resolveu endurecer e ampliar as táticas de mobilização neste ano, incluindo o bloqueio temporário de terminais e de vias.
O reajuste da passagens, em plena recessão e a apenas meses das eleições municipais, é visto como “suicídio eleitoral” até no entorno do prefeito Fernando Haddad (PT), que deve buscar a reeleição e diz que o aumento é inevitável dada a situação das contas da Prefeitura de São Paulo. No início da tarde, a Prefeitura publicou uma nota solicitando a mediação do Ministério Público para “garantir” que a manifestação desta terça ocorresse sem violência. O secretário municipal de Direitos Humanos, Eduardo Suplicy, e o controlador-geral do município, Roberto Porto, fizeram um requerimento de mediação ao Ministério Público.
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Fonte: El País