Por Fábio Bispo
Da fita silver tape aos yanomamis. A investigação da polícia civil sobre o sequestro do jornalista Romano dos Anjos, que chegou em uma suposta milícia armada e instalada na Assembleia Legislativa de Roraima (ALERR) a mando do deputado estadual Jalser Renier (Solidariedade), também revelou ligações estreitas do bando com o garimpo ilegal.
As informações estão em depoimentos sigilosos obtidos com exclusividade pelo InfoAmazonia e sugerem que os policiais militares do serviço de inteligência da ALERR podem estar envolvidos no envio de armas para garimpos no rio Uraricoera, região onde se instalou uma verdadeira guerra provocada por invasores na Terra Indígena Yanomami
“De fato, verificamos que pessoas ligadas à organização teriam fornecido armas para garimpos e também faziam transporte de valores desses locais”, afirmou o delegado João Evangelistas dos Santos. Jaime Miguel de Moraes, segundo a investigação, mantinha vínculos com policiais do Serviço de Inteligência da ALERR e era chamado por eles de “Soldado” ou “Magrão”. Jaime é identificado na investigação como garimpeiro. Em diferentes depoimentos, o Soldado, ou Magrão, foi apontado como chefe de segurança em garimpos no rio Uraricoera. A investigação apurou que ele teria sido convidado pelo próprio coronel Paulo Cézar para participar do sequestro do jornalista, e foi incluído na investigação como possível colaborador do crime.
Apesar de os denunciados negarem relação com Jaime, a polícia identificou trocas de mensagens e confirmou que ocorreram encontros entre o garimpeiros e policiais da SISO.
Dias depois do sequestro do jornalista, Soldado trocou mensagens com o sargento Rocivaldo Figueiredo de Oliveira, investigado por levantar informações pessoais de Romano dos Anjos para o sequestro. Em uma das mensagens, o garimpeiro questiona o sargento sobre o caso: “Fiquei sabendo que você quer fazer delação”. Mas o sargento nega.
O sargento Rocivaldo, também conhecido como Rocilouco, é investigado por cometer assaltos em parceria com garimpeiros durante uma falsa operação policial armada na BR-174, no ano de 2019. Na época, o policial chegou a ser preso e com o grupo em que estava foram apreendidos 1,5 kg de ouro, 14 mil dólares e uma arma.
Uma das testemunhas ouvidas pela polícia, que trabalhou como segurança, confirmou a liderança do garimpeiro na segurança do local, aqui chamado pelo segundo apelido, Magrão, descrevendo os tipos de armas que eram usadas no local. Intimado pela polícia, Jaime se manteve em silêncio.
Em 2019, Jalser prometeu que buscaria solução para a questão do garimpo em Roraima, após mais um registro de confronto e prisões de garimpeiros pelas forças do Exército no estado. Na época, Jalser pediu para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia agir para libertar os garimpeiros detidos.
Em janeiro de 2021, ainda sob o comando de Jalser, a ALERR aprovou projeto de lei que liberava o garimpo em Roraima, inclusive com uso de mercúrio. Após a votação, Jalser comentou que o projeto era “o reconhecimento do trabalho que os garimpeiros fazem por Roraima”. A lei acabou anulada por decisão unânime do STF. Mesmo afastado da presidência da Assembleia, Jalser segue comandando a Comissão de Minas e Energia da casa legislativa. Só no rio Uraricoera são pelo menos 43 pontos de garimpos ilegais ativos. Desde abril de 2021, a aldeia Palimiú tem sido alvo de recorrentes ataques dos garimpeiros. No ano passado, foram pelo menos sete mortes registradas na TI Yanomami por ações do avanço do garimpo.
Fortemente armados, os garimpeiros resistem inclusive às investidas da Polícia Federal e Ibama, que foram recebidos a tiros durante operação realizada na aldeia Palimiu em 2021. Foi nessa região que o Ibama apreendeu 11 aeronaves, em setembro do ano passado, todas ligadas ao garimpo ilegal no rio Uraricoera. A investigação também apontou que membros da organização estariam ligados ao fornecimento de armas e segurança privada para garimpos ilegais em Roraima.
Sem citar diretamente o inquérito, que segue em segredo de Justiça, o delegado titular da investigação, João Evangelista, não descarta a abertura de novas investigações para apurar outros crimes da organização. O envolvimento do grupo com atividades ilegais em garimpos deve ser alvo de novas investigações.
Vida de luxo do “Menino de Ouro”
Apelidado de “menino de ouro” e considerado um dos políticos mais poderosos de Roraima, Jalser coleciona polêmicas e denúncias por desvios de recursos públicos e tentativas de obstrução da Justiça. Eleito pela primeira vez aos 22 anos, o deputado está no sétimo mandato, somando 28 anos como parlamentar da ALERR.
Antes de ser deputado, Jalser ficou famoso como apresentador de auditório do extinto programa “Você Faz o Show”. O deputado também foi radialista e até nos dias atuais ainda arrisca uma palinha como cantor sertanejo. Em sua página nas redes sociais, entre divulgações do mandato, Jalser eventualmente canta e dedica canções para amigos e familiares. Já usou a própria tribuna da Assembleia como palco, quando ainda não era alvo de escândalos.
Mas o perfil dócil das redes sociais, sempre rodeado de crianças, contrasta com o perfil agressivo que o parlamentar revela longe das câmeras. Em 2018, Jalser invadiu uma rádio e agrediu a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), ex-mulher do senador Romero Jucá, atualmente principal adversário local de Jalser. Na investida, o deputado demonstrou agressividade e xingou a prefeita. Imagens mostram que mesmo após a confusão, o deputado perseguiu a mulher até o seu carro, onde desferiu golpes.
Jalser e a esposa, Cinthya Gadelha, ostentavam uma vida de luxo. Em 2019, uma operação do Gaeco apreendeu 22 bolsas importadas na casa do parlamentar, avaliadas em mais de R$ 180 mil, uma coleção de jóias e anéis com pedras cravejadas, dezenas de óculos de sol e diversos veículos. Segundo a polícia, tudo fruto de dinheiro desviado da ALERR. Alvos das operações “Royal Flush” e “Cartas Marcadas”, Jalser e Cinthya Gadelha foram denunciados por peculato, organização criminosa e fraude em licitações ao lado de outras 15 pessoas. Na época, o deputado foi acusado pelo desvio de R$ 24 milhões em 36 processos de licitação cujos serviços contratados nunca teriam sido realizados. A operação identificou 368 imóveis em nomes de laranjas.
Antes, em 2010, o parlamentar já havia sido condenado a 6 anos e 10 meses de prisão por envolvimento no “Escândalo dos Gafanhotos”, que investigou um esquema de distribuição ilegal de recursos federais. Ele só foi preso de fato em 2016, mesmo assim conseguiu se segurar no cargo de presidente da Assembleia cumprindo pena em regime semiaberto, dormindo na prisão e indo para o parlamento durante o dia. Em 2017, o Supremo anulou as provas e a condenação no caso. Já a denúncia de 2019, está há mais de 10 meses parada na Justiça de Roraima aguardando julgamento.
O deputado afirmou seguidas vezes que todos os rendimentos da família estão declarados, no entanto, a mansão onde vive com a esposa, avaliada em mais de R$ 9 milhões, não foi informada à Justiça Eleitoral, em 2018, quando o deputado declarou um patrimônio de R$ 1,3 milhões.
Apesar de ostentar fama de poderoso, nenhuma outra investigação fragilizou tanto o deputado como a Operação Pulitzer. Além de preso e denunciado, Jalser perdeu o comando da Assembleia de Roraima e agora deve enfrentar um processo de cassação.
Desde o afastamento da presidência da ALERR, Jalser entrou com diversos pedidos para retornar ao cargo, o que lhe permitiria também reestruturar o Serviço de Inteligência. Mas as investidas foram sem sucesso.
Na decisão mais recente, o ministro Roberto Barroso, do STF, apontou insistência do deputado por meios “manifestamente inadmissíveis”, além de demandar “tempo e recursos escassos” da corte e negou o retorno de Jalser à presidência da ALERR.
A reportagem questionou o comando da PM sobre a situação dos militares presos, mas o órgão não se manifestou. A reportagem não conseguiu contato com os investigados Jaime Miguel de Moraes e Rocivaldo Figueiredo.
O deputado Jalser foi procurado, através de sua assessoria, mas não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Fonte: InfoAmazonia