Luiz Carlos da Costa Justino é um jovem negro e pobre, cuja ligação com a arte alterou o destino selado pelo racismo no Brasil. Em 2008, ingressou no curso de formação em Música no Espaço Cultural da Grota, em Niterói (RJ). E em 2017 saiu formado, para orgulho da família. Para trabalhar, tornou-se microempreendedor individual (MEI) e passou a fazer parte também da Orquestra de Cordas da Grota, criada em 1995 e que tem reconhecimento internacional. Mas a realidade dos jovens negros no Brasil, cruel e injusta, cobrou seu preço.
Na quinta-feira (4), Luiz Carlos foi preso durante uma blitz, no centro de Niterói, acusado de um roubo cometido em 2017. A vítima, à época, teria reconhecido o jovem negro por meio de uma foto na delegacia. Um processo teria sido aberto, mas Luiz, que nasceu e morou durante toda a vida no bairro niteroiense da Grota, nunca foi intimado.
Segundo o maestro Márcio Salles, da Orquestra da Grota, o violoncelista negro trabalhava na hora do crime a ele atribuído. O jovem não tem antecedentes criminais. Seu “crime”: ter nascido negro e pobre no Brasil, onde pretos e pardos são 75% dos mortos em operações policiais, segundo dados da Rede de Observatórios de Segurança. No Rio de Janeiro, 78% dos mortos por intervenção policial em 2019 eram jovens e negros.
Reconhecimento facial
“A única prova que a polícia tem em mãos é o reconhecimento de uma vítima de roubo através de uma foto sua. Não sabemos como foi parar em uma delegacia a foto de um jovem sem antecedentes para ser reconhecido por vítimas de crimes”, afirma, em nota o Espaço Cultural da Grota.
Luiz passou a noite na prisão, apesar de não ter cometido nenhum crime. A filha pequena, a mãe e a esposa estão desconsoladas com a situação, relatam amigos que trabalham para libertar o músico.
“Como pode um jovem ser preso sem prova material, sem flagrante, sem nada, apenas pelo reconhecimento em uma foto? Como a foto do Luiz foi parar na delegacia? Os policiais estão tirando fotos de outros jovens. O que eles querem com isso?”, questiona a nota da Grota. “Quantos jovens vão ser presos injustamente em nossa cidade? Queremos que a polícia proteja os nossos jovens e não trabalhem para o seu extermínio”, completa o Espaço Cultural.
Leandro Justino, tio de Luiz, também é músico e estava com ele, trabalhando, na data de acusação do crime, em 2017. “Estávamos tocando numa padaria em Piratininga, no mesmo horário”, lembra. “Um grande questionamento para todo mundo é que ele nunca teve ficha na polícia. Ele nunca foi uma pessoa violenta, sempre esteve com a gente na orquestra. Está há 16 anos lá, e sempre trabalhou. Ninguém tem nenhuma dúvida, não tem o que falar dele.”
Violência do Estado
Para o bancário Paulo Tarso, presidente do Espaço fundado em 2002, o racismo estrutural é a forma mais violenta de destruir as pessoas. “Porque é escondido. Não está nas falas. Mas as pessoas ‘reconhecem’ o jovem negro assim.”
Luiz está preso em Benfica, onde foi feita a triagem, e pode ser transferido a qualquer momento para uma penitenciária onde cairá nas “mãos dos tráfico”, o que desespera Paulo Tarso. A Justiça não revogou sua prisão e aguarda o Ministério Público se manifestar nos autos.
“A violência, perpetrada por agentes do Estado, especialmente pelas forças policiais, constitui um dos capítulos mais graves em termos de direitos humanos em nível nacional”, observa o advogado Carlos Nicodemos, da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB. “Não à toa várias iniciativas são adotadas no sentido de coibir essa prática.” Denúncias ao sistema interamericano de Direitos Humanos da OEA pedem reparação dessa violência. E o Supremo Tribunal Federal (STF), em 5 de agosto, consolidou a ADPF 635, proibindo operações policiais em tempos de pandemia, que produzem atrocidades nas comunidades periféricas, nas favelas, lembra o advogado.
“Registre-se, isso com um recorte de racismo institucional, porque essa violência recai prioritariamente numa ação praticada por esses agentes sobre a população negra, sobre os jovens negros. E é nesse sentido que se precisa, cada vez mais, intensificar os sistemas de controle, não só interno, na própria Polícia Militar, mas também em relação à Justiça”, reforça Nicodemos.