Por Ruy Sposati.
A Polícia Federal (PF) despejou três acampamentos indígenas em áreas vizinhas à reserva de Dourados, no último dia 25. As famílias que ocupavam os tekoha Ita Poty, Unati Poko’e Vera e Jaicha Piru tiveram seus barracos derrubados e os pertences retirados, e devem voltar às aldeias Jaguapiru e Bororó, na reserva de Dourados, de onde haviam saído. Não houve violência física contra pessoas.
O despejo surpreendeu a Fundação Nacional do Índio (Funai), que foi informada da ação pela PF quando estes já estavam no acampamento. A operação, realizada com o apoio da Polícia Militar (PM), cumpria uma decisão de reintegração de posse expedida pouco mais de um mês atrás pelo juiz federal Moisés Anderson Costa Rodrigues da Silva, da 1ª Vara Federal de Dourados, em favor de proprietários de fazendas que incidem sobre o território reivindicado pelos Kaiowa e Guarani. O mesmo juiz também é responsável pela decisão que aplicou o marco temporal para anular a demarcação da terra indígena Lagoa Rica/Panambi, no início do mês.
“Além da Funai não ter sido avisada com antecedência, as diretrizes estabelecidas pelo governo para reintegrações de posse foram mais uma vez ignoradas”, critica o missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, Matias Rempel.
Em diversas ocasiões, entidades de direitos humanos têm exigido o uso pela PF do Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2008. A exigência vem no sentido de evitar abusos e ilegalidades, como os que levaram à morte de Oziel Terena, em 2013. O manual aponta que, além de convocar organizações de direitos humanos para acompanharem as reintegrações, as operações deverão ser documentadas por filmagens, que deve ser permitido pela polícia a qualquer uma das entidades presentes ao ato.
Confinamento
Confinados na reserva de Dourados – onde ao menos 15 mil indígenas vivem em pouco mais de 3 mil hectares de terra, e cujo índice de mortes é um dos maiores do mundo -, uma série de grupos familiares iniciou, em março deste ano, um processo de retomada de áreas vizinhas ao território indígena, reivindicado como tradicional pelos Kaiowa e Guarani. Para todas as ocupações, tramitam pedidos de reintegração de posse, impetrados por proprietários rurais.
No acampamento Ita Poty, onde incide a fazenda Cristal, um indígena Terena e um rezador Kaiowa foram atingidos com tiros, em dois ataques distintos, atribuídos a fazendeiros da região, pouco mais de dez dias após os indígenas terem reocupado o território reivindicado.
Assista o vídeo: Indígena é baleado em retomada Guarani-Kaiowa
Este é o quarto despejo realizado este ano na região de Dourados. Em julho deste ano, o tekoha Apyka’i, onde incide uma fazenda de cana-de-açúcar arrendada, ligada à Usina São Fernando, propriedade de José Carlos Bumlai, preso pela Operação Lava Jato, também sofreu com o cumprimento de uma reintegração de posse. Desde então, os indígenas permanecem na beira da estrada.
Mais despejos
Para o Cimi, a aplicação do marco temporal na Justiça visando anular a demarcação de terras indígenas irá fazer com que os despejos se multipliquem no estado. “O marco temporal é fogo se aproximando de um barril de pólvora”, afirma Rempel.
“Usar o marco temporal (que é uma tese ruralista) como justificativa pra resolver a questão fundiária é a ‘solução’ mais absurda já experimentada pelo estado brasileiro”, comenta Rempel. Isto porque o marco temporal irá reabrir processos demarcatórios que já estão conclusos ou em fase bastante avançada de finalização. “Quer dizer, o poder executivo já empenhou esforços, os indígenas já estão nas áreas, há casos em que já houve até indenização… E aí, com o marco temporal, lugares que já foram ‘pacificados’ voltam a ser tensionados”, analisa. Para ele, a única solução é o cumprimento da Constituição de 88, que garante a demarcação das terras indígenas pelo poder executivo brasileiro.
“Já são três decisões contra terras indígenas no Mato Grosso do Sul usando o marco temporal”, explica. “Depois de suspensa a demarcação, o próximo passo dos fazendeiros e da Justiça será despejar os indígenas dos territórios. Isso vai aumentar o confinamento, a presença de famílias nas beiras de estrada, aumenta a tensão na região. Porque em muitos casos, quando os indígenas decidem não sair da área, pode acontecer como aconteceu com o Oziel na reintegração da polícia em Buriti, ou com Clodiodi em Caarapó, quando milícias paramilitares massacraram violentamente os indígenas. Vão aumentar ainda mais esses episódios de genocídio”, conclui.
Fonte: CIMI.