Quando Sílvio gritou
Triste era o 9 de outubro de 1967.
Clamou e o som se enredava nas sacadas
As rosas se erguiam e os pássaros pararam o trino
Escutaram
“A Era está parindo um coração,
Não pode mais, morre de dor.
Temos que acudir, está caindo o Porvir”, agonizava.
Urgente: Ordenou que fôssemos lá salvá-lo
E tivemos que deixar tudo para viver.
Foi um dia depois.
Lembro, coloquei roupas e sapatos velhos
Corri empurrado pelo Vento Sul de Montevidéu
Num pulo atravessei o Bairro Sul, afundei no Rio
Desemboquei na beira de Buenos Aires
Respirei gasolina da 9 de Julho e corri mais ainda
Subi desesperado entre as margens do Paraná e do Uruguai
Cai num hospital de São Paulo, estava sujo e lotado
Desci as escadas e quando abri os olhos, não sei…
Era a Panamericana ou a Transamazônica?
Não importa, quando cheguei a Barinas
Senti aroma de liberdade
Tinha pão novo no forno, cheiro doce.
Em qualquer selva ou rua, verde e cinza corria
Da minha boca labaredas de angústia eram combustível.
Atravessei a última rua de Cartagena,
Cheiro de chumbo no belo Panamá.
Virei à direita e senti que Superman ria de mi,
Eu escutei, ria! Vociferei dois palavrões
Do Tio Sam surgiram garras, não me tocaram no Mar Caribe
Com as pernas exaustas pisei Santiago de Cuba.
Chorei intensamente. Descansei um instante.
A força mineral-terra me levantou.
Abriu meus olhos. O horizonte!
Entre as canas o Porvir estava a ponto
De cair num fosso infinito.
Superman devolveu minhas imprecações,
Tio Sam escondeu-se numa esquina de Miami
Tremendo as mãos, estiquei os braços,
o Tempo parou
o Mundo parou
a Morte parou
Levantei o Coração, bem devagar,
O protegi do Sol com minha sombra
Reguei com lágrimas de prantos antigos
As marcas do parto
E calmo, acariciei a Terra devagar, muito devagar
A beijei, abracei o Coração
Pulsava em estrondo essa criança.
Criança livre, olhos fulgurantes,
A mãe morria no entardecer.
Caminhei com rumo Sul,
Vaguei por qualquer casa,
Comi pão, bebi água,
Descansei e acordei
Num sítio muito alto de La Paz,
O Coração crescido, sorridente me despediu,
Um abraço, um beijo, e com passo inquieto
Lançou-se à estrada com os filhos da Terra.
Anda por aí, falando centenas de línguas,
Abrindo Pátria, Semeando Coragem,
Sem Perder a Ternura.
Raúl Fitipaldi