“Poder público não dá resposta ao assédio sofrido por mulheres”, diz urbanista

Por Juliana Gonçalves.

O assédio em espaços públicos é um problema global vivenciado por mulheres todos dias. Pesquisa realizada em 2016 pela organização internacional ActionAid mostra que 86% das mulheres brasileiras ouvidas sofreram assédio em público em suas cidades. O mesmo ocorre na Tailândia (86%), na Índia (79%), na Inglaterra (75%), entre outros.

Mas não é apenas o transporte público que é hostil para as mulheres. A arquiteta e urbanista, pesquisadora de Direito Urbanístico Joice Berth afirma que a concepção europeia de cidade define que o espaço privado deve ser para as mulheres e o público para os homens: “A gente tem uma cidade planejada por e para homens, as mulheres não participam. A gente não tem o olhar da mulher, das minorias sociais, pautando as decisões que versam sobre a formação da cidade”.

Segundo Berth, o machismo presente na sociedade se reflete em casos cotidianos de abusos de mulheres e no silêncio do poder público e das empresas onde esses assédios ocorrem:

“O poder público age de maneira lenta porque quem está dominando são homens, temos poucas vereadoras, deputadas, senadoras… Temos que questionar por que o poder público não dá respostas? Não dá respostas porque as mulheres não estão lá e, para os homens, tanto faz porque não é o corpo deles que está sendo violentado dentro dos espaços”.

Para muitas mulheres há uma certeza de que haverá algum constrangimento toda vez que entrar em um ônibus ou metrô, como conta a artista da dança Laísa: “Não me sinto segura em nenhum lugar enquanto mulher. Essa visão do corpo da mulher ser mais vulnerável a todas as situações é pior dentro de um lugar fechado que você não tem nem para onde correr ou mudar de lugar, numa situação de incômodo”.

Esse sentimento é compartilhado pela auxiliar de comércio exterior Talita, que todos os dias utiliza o transporte público em São Paulo, principalmente o metrô. Ela é uma das muitas mulheres que já sofreu abuso no transporte público:

“Eu tinha uns 16 anos e não falei nada porque fiquei muito sem graça, eu não percebi no começo o que estava acontecendo, depois que eu vi e aí fiquei em choque, não tive reação do que fazer na hora, se eu falava para alguém”.

O caso de Talita engrossa os dados sobre abusos e estupros em transportes públicos. Consultado pela reportagem, o Metrô de São Paulo não divulgou dados oficiais sobre abusos em suas dependências.

Quando o transporte é privado, a situação não passa a ser mais favorável às mulheres. Conversamos com Laura, nome fictício da motorista que utiliza aplicativos para transportar passageiros e preferiu que ela e a empresa não fossem identificadas. Ela trabalha há mais de um ano no ramo e diz que obedece muitas regras de segurança para evitar o assédio e o crime em São Paulo.

As medidas adotadas por ela vão desde dar check-in nos lugares por onde passa até ter um celular escondido para usar caso vá parar no porta-malas do carro. Laura conta que cotidianamente percebe o alívio das mulheres que entram em seu carro ao ver que se trata de uma motorista mulher: “Eu vejo uma preocupação muito grande não só a minha, mas das passageiras, quando elas entram no carro. Nove em cada dez dizem ‘ai que alívio é mulher’, eu escuto isso toda hora”.

Para que essa situação seja revertida, Berth que também é ativista dos direitos humanos considera que a educação e a conscientização dos homens são fundamentais para mudar esse quadro perverso para as mulheres.

“Tem que ser uma força conjunta, o poder público atuando. A educação tem que estar agindo concomitantemente com isso e a gente tem que estar se colocando de maneira unida e coesa para confrontar. Não dá para uma mulher confrontar um motorista de Uber ou um passageiro abusado… tem que ser uma ação coletiva por questão de segurança e educação também”.

Denúncias de assédios em transportes privados gerenciados por aplicativos estão cada vez mais frequentes nas redes sociais. Companhias de transporte públicas também têm melhorado a infraestrutura para responder a essa realidade. O Metrô de São Paulo, por exemplo, conta com uma rede de de auxílio com mais de três mil agentes de segurança para atender e acolher as vítimas e faz uma campanha permanente de conscientização, como informou à reportagem, em nota.

Fonte: Brasil de Fato. 

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