Interessante registrar como o Estado brasileiro tem continuado ativo em sua postura monocrática em relação ao horizonte de possibilidades que se abrem para a sociedade brasileira. Mesmo na atualidade, quando as expectativas se apresentam decrescentes frente à rígida realidade da desigualdade, especulação, crise e guerra, a ênfase nos princípios capitalistas permanece imutável.
Talvez seja por isso que o debate e as pretensões nacionais sobre o futuro estejam praticamente cancelados da agenda pública, restando a gestão das emergências como ponto central desta agenda. Nesse sentido, o amanhã fica para depois, remetido à esfera do sobrenatural, à espera de que algum milagre possa ocorrer, conforme Sérgio Buarque de Holanda destacou da trajetória histórica nacional até a década de 1920 (Visão do paraíso).
Nas últimas treze décadas, por exemplo, o Estado sofreu três grandes alterações que foram decisivas para reconfigurar o capitalismo no Brasil e suas consequências para a sociedade. Com a abolição da escravatura e a proclamação da República no final da década de 1880, por exemplo, nasceu o Estado mínimo liberal.
Enquanto o Estado absolutista monárquico ficava para trás, após quase sete décadas de existência, o Estado mínimo liberal se desincompatibilizou do ônus de financiar, com recursos públicos, a família real, o clero e a nobreza da época. Ao mesmo tempo, passou a assegurar as condições básicas pelas quais o modelo econômico primário exportador pudesse sustentar o avanço do capitalismo nascente.
Um capitalismo para poucos, tendo em vista que a maior parte da população sobrava, diante da restrita capacidade de inclusão pela via do mercado. A submissão à condição de subsistência humana de grande parte dos brasileiros, sobretudo no meio rural, prevaleceu por longo tempo após a abolição da escravatura.
Na grande Depressão de 1929, as possibilidades de progresso do modelo primário exportador ficaram exauridas. Com a Revolução de 1930, emergiu outra maioria política em condições de edificar o novo Estado voltado para a modernização capitalista.
Para viabilizar o deslocamento das massas sobrantes do latifúndio exportador do capitalismo nascente, a urbanização forjou o horizonte nacional de expectativas crescentes. O intenso movimento demográfico campo-cidade ocorreu assentado na promessa de que a proletarização generalizada seria mediada por direitos sociais e trabalhistas impulsionados pela pujante industrialização.
A crise da dívida externa no início dos anos 1980 e o ingresso passivo e subordinado na globalização a partir de 1990 liquidaram com o Estado desenvolvimentista. Em nome da restauração capitalista neoliberal, a reforma gerencial realizada prometeu o Estado antigastador, fomentador da livre iniciativa.
Após duas décadas, o que se constatou foi a paralisia da economia nacional acompanhada pela massificação da população sobrante à configuração do capitalismo contaminado pelo rentismo e a volta do modelo primário-exportador. Por deter atualmente quase um terço da população vivendo na situação de subsistência (bicos, viração e transferência de renda e outros), as dificuldades de inclusão de todos sob a mesma postura monocrática do Estado atual parece inegável.
As alternativas a isso, embora concretas, requerem reformas profundas no interior do setor público brasileiro. Uma nova relação entre Estado e sociedade e Estado e economia se torna fundamental.
Na relação Estado-sociedade, destacam-se as alterações tanto na forma iníqua de tributação dos contribuintes como na retribuição de bens e serviços mais eficientes e efetivos aos brasileiros. Por fim, na relação Estado-economia, a necessidade de potencializar e democratizar o acesso às oportunidades que possibilitem transitar para novas formas de organização e distribuição da produção sustentável econômica, social e ambientalmente.
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