O que é roubo? Tirar algo de alguém sem o seu consentimento?
Se assim for, há práticas que hoje são consideradas legais que estão dentro dessa definição.
Podemos não colocar uma arma na cara de uma pessoa e levar a sua carteira para estar roubando. Até porque existem formas mais delicadas para arrancar dinheiro da sociedade sem que ela possa reagir a isso.
Ouvi uma miríade de prefeitos eleitos dizer que vai reduzir o fosso entre os pobres e ricos criando “cidades para todos” – da mesma forma que governadores e a presidente disseram a mesma coisa quando foram (re)eleitos em 2010. Mas quando analisamos o programa de governo, não encontramos nenhuma mudança estrutural. Só perfumaria.
A desigualdade social pode até diminuir dependendo do ponto de vista. Mas o fosso continua lá, intransponível para a maioria.
Com a justificativa de que “estamos levando desenvolvimento ao país”, nós, os mais ricos, ganhamos rios de dinheiro. A elite deve muito mais ao governo Lula e Dilma do que os mais pobres, apesar da gratidão do segundo grupo ser maior.
Subsídios, isenções fiscais, financiamentos e demais benefícios a que o setor empresarial e os mais ricos têm acesso mantém a ordem das coisas. Ao povão, se não tiverem brioches, que comam pão com ovo (nada contra o pão com ovo, que gosto demais). Mas o fato é que sonegar milhões dá foto em coluna social. Roubar um xampu dá anos de cadeia, mais perda da visão, como aconteceu aqui em São Paulo.
Considerando que a renda de capital é estratosfericamente maior que a renda do trabalho e os recursos usados para o pagamento de juros são bem maiores que os usados em programas sociais (em todos os governos, de FHC a Dilma), fico extremamente incomodado quando ouço pessoas reclamando que “dar dinheiro aos pobres os torna vagabundos”. E o dinheiro que vai às classes mais abastadas, que investem em fundos baseados na dívida pública federal? Já perguntei aqui se “dar dinheiro aos ricos os torna vagabundos?” e quase fui esfolado.
Porque usar essa frase para os pobres é ser um “analista sensato da realidade” e usar a frase aos ricos é ser um “sacripanta de um comunista safado”. E eu nem sou comunista. Sou palmeirente da segunda divisão.
Cansei (se eles podem usar, eu também posso) de ter que financiar com meus impostos o crescimento de empresas, enquanto elas alcançam lucros estratosféricos que permanecem na mão de poucos investidores. Lucros são privatizados. Prejuízos, socializados. Montadoras de automóveis que o digam… E ainda por cima tenho que ouvir de empresários que o governo deveria abrir mais o cofre para investir em infraestrutura e não exigir contrapartidas trabalhistas, sociais e ambientais. Enquanto isso, demitem.
Fico pensando qual a chance de ser realmente rico no Brasil sem ter se beneficiado direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, do trabalho de terceiros ou dos cofres públicos e, portanto, do conjunto dos trabalhadores (que é quem gera valor de verdade).
Isso é mais elegante que apontar uma pistola, mas tem consequências mais nefastas. Quantos sofrem a fome, doenças e violência decorrentes da existência desse sistema?
Está na moda dizer que basta de dividir o Brasil entre ricos e pobres, como se isso fosse como preleção de time de escola – “você, gordinho e perna-de-pau, fica no time C e, nós, ficamos no time A (#infanciafeelings). Um discurso que tende a ser vazio por continuamos querendo domar os mais pobres, garantindo a pax brasiliana e não universalizando o acesso aos benefícios que uns poucos desfrutam. Pois sabemos que, no atual modelo de desenvolvimento, é impossível dar mais que migalhas.
Defendemos que haja espaço no Brasil para ricos e pobres e não atuamos nas causas que levam à existência de ricos e pobres. Até porque, em grande parte das vezes, o que se vê são os pobres como consequência lógica dos ricos.
Tudo isso não é novidade há dois séculos. Mas como não dormi direito, hoje estou sem paciência para ouvir certas coisas.
Enfim, gostarmos da sensação de mudança. Desde que, para o nosso estilo de vida, tudo permaneça como está.