Uma nova tentativa de legalizar o Plano Diretor de Florianópolis sem a devida participação popular está em curso. Todos sabem como foi a votação da última proposta, apressada, com aprovação de mais de 600 emendas, metade pela Câmara e metade pelo Executivo, desfigurando o projeto original – que já tinha sérios problemas. Grande parte destes problemas vinha da falta da participação da população na construção do Plano em 2013/14, fato não foi aceito pelo Ministério Público Federal, que apresentou uma denúncia. Em março de 2014, o Juiz Marcelo Krás Borges condenou a prefeitura a restabelecer o Núcleo Gestor Municipal do Plano Diretor Participativo (destituído em outubro de 2013 por decreto) e a realizar as 13 Audiências Públicas Distritais e uma Audiência Pública Municipal, já previstas, e construir um novo texto depois disso. O Estatuto das Cidades, lei federal 10.257/2001, garante a promoção de audiências públicas e debates com a participação popular em todo processo de construção do Plano Diretor das cidades, bem como a publicidade dos atos e documentos produzidos. Em sua decisão, Krás Borges esclarece:
Assim sendo, revela-se falacioso o argumento de que houve mais de sete anos de discussões. As dezenas de reuniões, oficinas setoriais e outros eventos realizados não podem ser equiparados a audiências públicas. Mesmo que o Município tenha realizado mais de uma centena de reuniões, tais reuniões não obedeceram ao Princípio da Publicidade, não tiveram seu objeto de discussão previamente noticiado, a fim de que a população pudesse participar e discutir preparada tecnicamente. (…) Neste sentido, nem mesmo um milhão de reuniões privadas podem ser comparadas a uma audiência pública.
E adiciona: Assim, o próprio Estatuto das Cidades previu a obrigatoriedade da participação da sociedade e da gestão participativa, sob pena de incorrer em improbidade administrativa o Prefeito Municipal.
A prefeitura recorreu, e em julho deste ano o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu pela validade da sentença de Krás Borges. Mas o prefeito Cesar Souza Júnior voltou a desrespeitar a decisão e não restituiu o Núcleo Gestor, composto por membros da sociedade civil que representam os 12 distritos de Florianópolis e que garante a participação popular nos debates. Em vez disso, no Diário Oficial de 10 de setembro, através do decreto 15.120, ele instituiu o Conselho da Cidade, com apenas 25 entidades, como substituto do Núcleo Gestor. Veja abaixo:
Estas entidades, impostas à cidade como seus representantes sem qualquer consulta popular, não se equivalem aos moradores das localidades ou substituem a sua participação livre e espontânea, sua manifestação e visão sobre a cidade em que vivem e sobre a cidade que querem construir. Tanto que algumas delas, como a União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (UFECO) e o movimento Ponta do Coral 100% Pública, já deliberaram e vão se recusar a fazer parte deste conselho.
O decreto do prefeito retirou do Conselho da Cidade os 12 representantes distritais, mantendo somente um, por razões desconhecidas, além de outras entidades como as universidades (UFSC e UDESC), o Fórum da Cidade e a representação do setor ambientalista. Aumenta de forma descabida a representação dos arquitetos, além do IAB-SC (Instituto dos Arquitetos do Brasil), que já tinha representação no Núcleo Gestor, inclui o CAU-SC (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) e a ASBEA (Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura – Seção SC). Desrespeita, com isto e portanto, a experiência institucional política que o Núcleo Gestor Municipal acumulou desde início de 2007, apesar das interrupções de seu funcionamento nos anos de 2009 a novembro de 2011, cuja composição de 39 membros demonstrou equilíbrio na participação de todos os segmentos sociais e mantendo a proporção de 40% do poder público, como recomenda o Ministério das Cidades. Portanto, com esta medida, o Executivo ignora a legitimidade das representações do Núcleo Gestor Municipal extinto, e cria o Conselho da Cidade com novas representações que não participaram do processo anterior de discussão do Plano Diretor e com número de membros discutível.
Mas Cesar Júnior está acostumado a imposições, e parece não temer o aviso do Juiz Krás Borges sobre a possibilidade de incorrer em improbidade administrativa. Em reunião com representantes do executivo e do legislativo na Câmara Municipal no dia 2 de setembro, o Secretário da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano (SMDU), Marcelo Martins, afirmou que a prefeitura pretende enviar o novo texto do Plano Diretor à Câmara em outubro. Ora, se já estamos no final de setembro, com que meios a prefeitura anunciará, disporá de todas as informações do texto ao público e depois realizará as 13 audiências públicas distritais obrigatórias pela lei?
Haverá tempo para que as discussões necessárias ocorram, considerando todo o processo de sensibilização nas comunidades, devida discussão prévia, através de estudos da Lei 482/2014 à luz do que as comunidades encaminharam antes da aprovação desta Lei, e eventos preparativos técnicos que devem anteceder às Audiências Públicas Distritais e a Municipal? O povo será ouvido ou a “nova versão” do Plano Diretor apresentará apenas a visão do prefeito? A Câmara aceitará votar um projeto de lei nessas condições? E como fica a ausência dos 12 representantes distritais, o Fórum da Cidade, a representação das ONGs e das universidades no Conselho da Cidade?
O texto de condenação da prefeitura é extremamente correto em sua construção ao tentar proteger Florianópolis. Em certa parte, o Juiz escreve:
Somente após a votação pela Câmara de Vereadores é que as comunidades de bairros ficaram conhecendo o verdadeiro conteúdo do novo Plano Diretor e como tal Plano impactaria a sua vida. Tal fato é público e notório. Como é possível chamar isso de participação democrática? Estivéssemos em pleno regime militar, tal procedimento ainda seria plausível, já que naquele tempo não era estimulado o livre debate de idéias. Todavia, nos dias de hoje, a pública e notória supressão do debate sobre um projeto de lei tão importante revela que ainda existe um preconceito sobre o exercício da participação popular.
Não podemos aceitar a imposição de um Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, sem a participação das pessoas que moram em Florianópolis. Se não por vontade política, que a lei garanta a democracia no processo de construção do Plano Diretor, caso contrário incorrer-se-á no processo viciado de elaboração do Plano Diretor e de sua revisão polêmica, com as 21 reuniões realizadas em 2014, mal convocadas e divulgadas e sem um ritual de discussão técnica antes e durante estes eventos.
Não podemos permitir que o Conselho da Cidade, da forma como foi composto e com os prazos exíguos estabelecidos, se instale. Deve-se atender o que a Justiça Federal determinou: que se reconstitua o Núcleo Gestor Municipal do Plano Diretor Participativo e que se convoquem as 13 Audiências Públicas Distritais e a Audiência Pública Municipal com os devidos tempos de convocação, publicização e preparação e realização.
Fonte: Professor Lino Peres.
Imagem de capa: sinduscon-fpolis.org.br