Assessoria de Comunicação do Cimi.-
Após a ofensiva da Câmara dos Deputados contra os povos indígenas com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, na última quarta-feira (30), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) volta a tornar pública a nota técnica produzida pela Assessoria Jurídica da instituição. A nota [CAI1] , publicada pela primeira vez em maio de 2021, quando o projeto ainda tramitava na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara Federal , já afirmava a inconstitucionalidade e o caráter falacioso do projeto, cuja discussão é levantada, há anos, pelo Cimi. Com a aprovação do PL 490 na Câmara, ele segue para apreciação do Senado Federal sob a numeração PL 2903/2023.
A proposta legislativa, defendida pela bancada ruralista e aliados, ataca os direitos indígenas ao buscar impedir, na prática, as demarcações das terras originárias a fim de liberá-las para exploração econômica predatória. Para isso, determina a instituição da tese do marco temporal, o que, para a equipe de advogados do Cimi, é inconstitucional tanto em sua natureza teórica, como em sua forma de projeto de lei. Na avaliação jurídica da instituição, o direito indígena, por ser cláusula pétrea, não pode ser submetido a uma medida legislativa.
A tese do marco temporal é inconstitucional tanto em sua natureza teórica, como em sua forma de projeto de lei
“Podemos afirmar, sem risco de erro, que estamos a lidar com cláusulas pétreas, o que é previsto nos artigos 231 e 232 da nossa Carta Política de 1988, porque ali está o complexo e bem definido estatuto jurídico-constitucional da causa indígena”, diz a nota.
O documento, que se baseia no relatório do deputado federal Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), relator do PL 490/2007, também expõe a falaciosa justificativa utilizada por ele de que estaria apenas consolidando em uma lei um tema já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para a Assessoria Jurídica do Cimi, a própria existência da repercussão geral já desmontaria a hipótese de consenso no Poder Judiciário sugerida pelo relator.
“Podemos afirmar, sem risco de erro, que estamos a lidar com cláusulas pétreas”
O STF reconheceu, em 2019, por unanimidade, a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. A discussão, que voltará ao STF na próxima quarta-feira (7), estabelecerá uma tese de referência para todos os casos que envolvem o direito à terra indígena.
A Corte debaterá duas teses: a teoria do Indigenato, que reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário; e a tese do marco temporal, que fixa a data de promulgação da Constituição Federal – 5 de outubro de 1988 – como requisito legal para o reconhecimento das terras indígenas.
A discussão, que voltará ao STF na próxima quarta-feira (7), estabelecerá uma tese de referência para todos os casos que envolvem o direito à terra indígena
“A Suprema Corte nunca fixou uma tese ou pacificou a matéria indígena, tanto é verdade que foi conhecida a sua repercussão geral. Até uma definição pela Corte, os argumentos usados pelo relator do PL 490 são mera falácia, carecendo, pois, de viabilidade técnica, procedimental e de viabilidade material”, afirma a equipe de advogados no documento.
Além da tese do marco temporal, a análise dos assessores do Cimi aponta outros dispositivos existentes no texto do PL que evidenciam sua inconstitucionalidade. Dentre eles, destaca-se a flexibilização do usufruto exclusivo das terras indígenas pelos povos originários, garantido pela Constituição Federal. O projeto de lei institucionaliza a abertura das terras indígenas para empreendimentos econômicos predatórios, como o agronegócio, a mineração, madeireiras, garimpo e demais interessados nas riquezas naturais protegidas e preservadas pelos povos indígenas, e necessárias à sua sobrevivência física, cultural e espiritual.
“A Suprema Corte nunca fixou uma tese ou pacificou a matéria indígena, tanto é verdade que foi conhecida a sua repercussão geral”
O PL prevê, ainda, o impedimento à revisão de limites de terras já demarcadas, o que, para os assessores jurídicos do Cimi , está em desacordo com as normas constitucionais. O Poder Legislativo, ao aprovar o PL 490, desconsidera o caráter retroativo dos direitos territoriais indígenas violados, bem como “o esbulho violento e os vícios nos processos de demarcação anteriores a 1988”, avaliam os advogados do Cimi em nota.
Outra determinação que fere os direitos constitucionais indígenas é a prerrogativa que prevê a apropriação de reservas indígenas pela União quando há o entendimento, desde a perspectiva não-indígena, de que houve alguma alteração de traços culturais da comunidade. Para o corpo jurídico do Cimi, a determinação não só é inconstitucional, como absurda ao expressar o racismo e o preconceito contido em seu bojo.
Na nota, a Assessoria Jurídica do Cimi ainda enfatiza a importância de se aguardar o julgamento do caso de repercussão geral, que colocará em pauta a tese do marco temporal, para se dar sequência à tramitação do projeto. A decisão da Suprema Corte definirá o futuro do direito indígena.
Ver nota na íntegra.
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