Homens armados passaram a atacar diariamente um acampamento Guarani e Kaiowá localizado no interior do tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá, entre os municípios de Coronel Sapucaia e Amambai, no Mato Grosso do Sul. Conforme lideranças indígenas, esses indivíduos também ameaçam verbalmente a comunidade falando em espanhol ou Guarani – idiomas oficiais do Paraguai, sendo a língua tradicional falada habitualmente por não-índios. As ofensivas passaram a ser registradas pelos indígenas ao menos há 30 dias e sempre com os pistoleiros procurando pela liderança indígena Eliseu Guarani e Kaiowá.
O acampamento está em uma área retomada na Fazenda Madama, propriedade incidente na terra indígena. Em 24 de junho deste ano, a comunidade Guarani e Kaiowá já tinha sido atacada por um agrupamento de homens armados arregimentados pelo arrendatário da fazenda. O proprietário, que reside no Paraná, estava em negociação, na ocasião deste ataque, com o procurador da República Ricardo Pael para uma saída pacífica à disputa. De junho até este mês, na verdade, as pressões nunca cessaram contra o acampamento refeito depois da ofensiva.
Chamados na região de pistoleiros, homens comumente contratados para serviços de assassinatos e expulsões forçadas de comunidades indígenas das fazendas retomadas, esses indivíduos atiram sobre os barracos de lona dos Guarani e Kaiowá acampados, matam cachorros e disparam contra os próprios indígenas – por enquanto, conforme a apuração realizada junto a lideranças, com o intuito de assustar e gerar terror psicológico no grupo. Os indígenas dizem que os pistoleiros “aparecem vestidos com roupas de polícia, parecido com DOF”. O DOF é o Departamento de Operações Especiais de Fronteira, polícia mantida pelo governo do estado.
“Dizem assim pra gente, em Guarani: ‘Eu vou matar qualquer uma se não sair daqui. Vamos matar homens. Se continuar, vamos matar criança e depois mulheres grávidas. Vamos caçar índio igual bicho’. Assim mesmo”, declara uma liderança ouvida pela reportagem – a identidade não será revelada por razões de segurança. A liderança afirma que esses pistoleiros “fazem tiroteiro” e abordam os Guarani e Kaiowá com violência – seja criança, idoso ou mulher.
Conforme os indígenas, os pistoleiros portam armas de tambor, rifles e calibre 12. Andam em bandos sobre caminhonetes Hilux e atacam durante o dia, mas é à noite que costumam fazer “correrias” com os veículos. “Se ninguém tomar providências, a gente vai ter que resolver pela comunidade. Se quer brigar, vamos brigar. A gente morre, pistoleiro morre. E não vai acontecer porque índio vai atirar neles não, vai ser com reza”, diz a liderança.
Os pistoleiros, ainda conforme esse indígena, mencionam constantemente o nome de Eliseu Guarani e Kaiowá, uma das lideranças de Kurusu Ambá e integrante da Aty Guasu, principal organização política do povo. “Perguntam do Eliseu e dizem que vão matar ele. Se não achar Eliseu, pistoleiro falou que eles vão começar a matar a família dele”, afirma.
Eliseu esteve no último mês de setembro na Europa para reuniões com as comissões da Organização das Nações Unidas (ONU). A liderança, reiteradas vezes ameaçada de morte, denunciou a situação de genocídio em curso contra os povos indígenas do Mato Grosso do Sul. O indígena integra o Programa de Defensores de Direitos Humanos do governo federal, que será notificado sobre a situação pela Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Água envenenada
Há fortes indícios de que a única fonte de água utilizada pela comunidade do acampamento de Kurusu Ambá foi envenenada por esses pistoleiros paraguaios. “O açude foi mangueado (sitiado, tomado de assalto) pelos pistoleiros. Primeiro não deixavam a gente pegar água. Depois deixou, mas aí muita gente, mais criança, passou a ficar doente. Vômito, quentura, diarreia. Adulto também muito doente com a água”, explica liderança de Kurusu Ambá.
Os problemas de saúde no acampamento não envolvem apenas a água. Há inúmeros Guarani e Kaiowá com pneumonia, desnutrição e doenças diversas. “Liguei pro Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), mas não vem aqui. A gente liga e não resolve. Faz tempo já, desde o primeiro ataque na sede da Madama, que a gente pede socorro. Kurusu Ambá passa muito sofrimento. Pistoleiro, morte por doença”, denuncia a liderança.
A única fonte de alimentação do acampamento são as cestas básicas levadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Quando as cestas não chegam, os indígenas passam fome. “Kurusu Ambá passa muito sofrimento, pistoleiro, sem atendimento do Sesai e a água: como continua com açude envenenado? Meu irmão toma água e quase morre. Pessoas pegando doença direto. Mas daqui a gente não sai não. Enfrentamos morte”, encerra a liderança.
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Fonte: Cimi