“Pessoas continuam a morrer” após dois anos, diz atingida por barragem em Brumadinho

Sem reparação, vítimas da Vale lutam contra doenças emocionais e temem por não sobreviver até pagamento de indenização

Atingidos relatam consequências emocionais do crime de Brumadinho, dois anos depois (Foto: MAB/Divulgação)

Por Erick Gimenes.

rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), continua fazendo vítimas todos os dias desde que o crime foi cometido há exatamente dois anos, em 25 de janeiro de 2019. É o que denuncia Joêlisia Feitosa, atingida na cidade de Juatuba, no leito do rio Paraopeba.

Ainda sem reparação, o crime abalou profundamente os moradores sobreviventes, que hoje lutam contra depressão, ansiedade e tentativas de suicídio, como relata Feitosa.

“As pessoas continuam a morrer diariamente. Pessoas que sequer fazem parte das estatísticas, mas que morrem de diversas doenças causadas de forma direta e indireta por esse crime da Vale, pessoas que sentem na pele, que morrem de depressão, muitas tentativas de autoextermínio e muitas doenças causadas por tristeza, porque as pessoas tiveram a sua dignidade abalada”, diz.

Além dos problemas emocionais, também falta recurso natural: água e comida rarearam na região, depois do vazamento dos rejeitos. Joêlisia afirma ter medo de que famílias não sobrevivam até que uma decisão judicial seja proferida.

“O nosso medo é que não haja recurso para a nossa sobrevivência, a nossa garantia de manutenção à comida na mesa, diariamente, até que a decisão jurídica venha, para que a gente tenha condição de se manter vivo, de pé, permanecer na luta. Não vemos muita alternativa a não ser continuar nessa luta. Enquanto isso, a Vale se aproveita das nossas vulnerabilidades e vai ganhando terreno. Não podemos, de maneira alguma, desanimar”, convoca.

Relembre: Um ano do crime de Brumadinho: vidas seguem destruídas, mas Vale volta a lucrar

Ainda sem indenização da Vale

A atingida faz um apelo para que a Justiça dê resposta às famílias e que a Vale pague a indenização estipulada pelo Estado, no valor de R$ 54 milhões. “Nós queremos de volta a dignidade que nos foi tirada. Não queremos esmola, não queremos piedade. Queremos dignidade e justiça. E justiça é só com luta e organização”, declara.

Para Juan Pablo, da coordenação do Movimiento de los Afectados por Represas (MAR), coletivo internacional de atingidos por empreendimentos, as tentativas de acordos individualizados que a Vale vem fazendo para não pagar toda a indenização são para perpetuar violações.

“Aquela proposta de acordo global que está fazendo a Vale não é mais que uma estratégia para perpetuar a violação dos direitos humanos”, afirma ele.

Juan lamenta que a Justiça brasileira esteja conivente com a empresa. “A Vale é uma empresa criminosa. Hoje, com dor no peito, estamos achando que não é só a Vale. É o Judiciário, é o Estado que estão dando respostas negativas com a estratégia que existe na Vale”, considera.

Sem água potável

Joceli Andreoli, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), também ressalta a grave situação das famílias. “A situação das famílias atingidas é uma situação bastante grave, bastante crítica neste momento. Muitas famílias estão sem água potável, a água está contaminada, as famílias estão vivendo um caos em termos de agricultura, de pesca. São muitas famílias que dependiam do rio Paraupeba”, detalha.

Ele diz temer por novos crimes parecidos como os de Brumadinho e de Mariana. “A gente está muito preocupada, porque, no Brasil, não se tomaram providências suficientes para evitar que novos crimes venham a acontecer. A empresa fica impune, se safa de reparar integralmente os atingidos e atingidas e, portanto, o povo mais pobre paga a conta”.

O que diz a Vale

Em nota, a Vale afirma estar “empenhada em reparar integralmente os atingidos e as comunidades impactadas”. Segundo a empresa, há um “diálogo construtivo com o Governo de Minas e as instituições de Justiça” para um possível acordo com as populações prejudicadas.

A empresa fala em “reparar os danos causados de maneira justa e ágil” e diz estar priorizando iniciativas e recursos para esse fim.

Sobre os acordos, a empresa diz que está “comprometida em indenizar, de forma justa e célere todos os impactados”. Segundo o comunicado da empresa, já foram pagos mais de R$ 2 bilhões de indenizações, por meio de 3,8 mil acordos assinados.

“Desde as primeiras horas após a ruptura, dois anos atrás, a empresa tem cuidado das famílias impactadas, prestando assistência para restaurar sua dignidade, bem-estar e meios de subsistência. Além de atender às necessidades mais imediatas das pessoas e regiões afetadas, já atua também na entrega de projetos que promovam mudanças duradouras para recuperar as comunidades e beneficiar a população de forma eficaz. Reparar os danos causados de maneira justa e ágil é fundamental, e a Vale tem priorizado iniciativas e recursos para este fim”, afirma a Vale.

Às pessoas afetadas psicológica e emocionalmente, a empresa diz que disponibiliza um programa de assistência integral. “A todas as pessoas indenizadas, a empresa também disponibiliza o Programa de Assistência Integral ao Atingido, que oferece, durante dois anos, apoio psicossocial, educação financeira, orientações para a compra de imóveis e para a retomada produtiva. Isso permite que as famílias possam planejar o futuro diante das novas condições econômicas e socioambientais. Mais de 3 mil pessoas já aderiram ao programa, que é voluntário e gratuito”.

Por fim, a Vale nega que esteja faltando água aos moradores. A empresa garante que envia caminhões-pipa diariamente à região. “São 55 caminhões-pipa que percorrem, juntos 11 mil quilômetros por dia, em média, levando água para as pessoas elegíveis e para manter atividades produtivas (dessedentação animal e irrigação), além da distribuição dos fardos de água mineral para uso doméstico”.

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