“Alguém precisa acionar o alarme de incêndio político agora.’ Um dos poucos a preverem a vitória de Donald Trump na eleição de 2016, o documentarista Michael Moore decidiu elevar o tom de seus alertas sobre a possível reeleição do presidente americano, apesar das pesquisas eleitorais apontarem novamente o contrário.
“Estou alertando com dez semanas de antecedência. O nível de entusiasmo de 60 milhões de apoiadores de Trump está muito alto. Os de Joe (Biden, adversário de Trump nas urnas), nem tanto”, escreveu no Facebook o cineasta vencedor do Oscar (Tiros em Columbine), do Emmy (TV Nation) e da Palma de Ouro (Fahrenheit 9/11), eleitor declarado do Partido Democrata.
Os números apresentados pelas pesquisas eleitorais de 2020 estão na base do argumento de Moore. Tanto para defender que os levantamentos não dão conta do tamanho do apoio a Trump quanto para mostrar o real avanço do presidente americano.
Ele cita como exemplo o caso de seu Estado natal, Michigan, um dos Estados que são considerados o “fiel da balança” para definir eleições presidenciais nos EUA.
“Veja a pesquisa Trafalgar de sexta em Michigan. Na semana passada, Trump estava 4 pontos atrás de Biden. Agora, nesta pesquisa, Trump está à frente de Biden em Michigan, 47%-45%. E ainda assim muitos democratas estão convencidos de que Trump vai perder.”
No Twitter, Trump republicou uma mensagem sobre os alertas de Moore: “Michael sabe das coisas”.
Vale ressaltar que a pesquisa do Trafalgar Group, citada por Moore, é a única apontar a dianteira de Trump em Michigan. E que diversos modelos matemáticos apontam que as chances de reeleição do republicano não passam de 40%.
Em 2016, apesar de os modelos apontarem uma chance ainda maior de vitória para Hillary Clinton, o documentarista e outros analistas políticos elencavam fatores que acabariam sendo relevantes para a vitória do republicano.
Entre eles, pontos cegos no recorte demográfico de pesquisas eleitorais, a insatisfação econômica do chamado “homem branco raivoso” e a falta de apoio a Hillary por parte do eleitorado democrata mais à esquerda. O voto é facultativo nos EUA.
O que o documentarista aponta na eleição em novembro deste ano? Veja abaixo quatro pontos.
1. Falta de adesão a Joe Biden
Em diversas postagens no Facebook sobre a eleição, Moore diz que pesquisas eleitorais apontam Biden com menos intenção de votos que Hillary e cobra mudanças na plataforma eleitoral do candidato democrata que vão além das críticas a Trump.
“Não vai dar para culpar a opinião pública ou a Rússia (desta vez). Agora é com o candidato e o partido. Estamos arriscando uma tragédia de grandes proporções. A campanha de Biden precisa fazer mudanças que inspirem e atraiam jovens, negros, latinos e mulheres. A base de Trump é fiel, odiosa, animada e não vê a hora de votar. Onde está o entusiasmo com Biden?”
Para Moore, o candidato democrata deveria propor ensino superior gratuito, anistia das dívidas estudantis, acesso universal a creches, entre outras bandeiras. Sem isso, o cineasta vê se repetir o mesmo afastamento do eleitor democrata mais à esquerda que apoiava o socialista Bernie Sanders, mas não se entusiasma com o centrista Biden.
Desta vez, Sanders declarou apoio à candidatura de Biden, mas não se sabe quantos votos o senador socialista vai conseguir transferir para o candidato de seu partido.
De acordo com pesquisas eleitorais, 70% dos eleitores republicanos se dizem entusiasmados com Trump, mas apenas 40% dos democratas afirmam o mesmo sobre Biden.
Por outro lado, a rejeição a Trump está num patamar bem mais alto que a Biden, em comparação com o pleito de 2016. Segundo o centro de pesquisas Pew, 53% dos eleitores rejeitam o atual presidente, ante os 42% em relação ao rival democrata.
2. Foco em Estados essenciais para uma vitória
“Vocês estão preparados para a vitória de Trump? Estão mentalmente preparados para ser passados para trás por Trump de novo? […] A campanha de Biden acabou de anunciar os Estados que ele vai visitar, e não inclui Michigan. Parece familiar?”
Em 2016, um dos pontos levantados por Moore e outros analistas políticos que passam fora do radar geral era a estratégia de Trump de concentrar esforços de campanha em quatro Estados que tradicionalmente votavam em candidatos democratas e faziam parte do antigo cinturão industrial dos Estados Unidos: Wisconsin, Pensilvânia, Ohio e Michigan.
Nos EUA, o voto do cidadão comum na realidade determina o voto do Colégio Eleitoral, que é formado por 538 eleitores procedentes de todos os Estados e da capital federal, Washington. Dessa forma, ter a maioria do voto popular em âmbito nacional não garante a vitória.
Em geral, para vencer é preferível ganhar em muitos Estados, mesmo que seja por apenas um voto de vantagem, do que em poucos deles com uma vantagem de milhares de votos.
Segundo a média de pesquisas eleitorais em 2020, Biden tem grandes vantagens em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin — três dos Estados industriais vencidos por Trump por margens menores que 1% em 2016. Mas alguns levantamentos apontam liderança de Trump ou redução da dianteira de Biden, como citou Michael Moore no Facebook.
O modelo matemático elaborado pelo site FiveThirtyEight, do estatístico Nate Silver (que acertou a previsão sobre a eleição de Obama e errou sobre a de Trump), aponta que Biden tem 68% de chances de vencer e Trump, 32%, já levando em conta o peso do colégio eleitoral.
3. ‘Lei e Ordem‘
“Nas semanas até a eleição em novembro, Trump planeja nada além de anarquia, caos, chamados aos seus seguidores brancos raivosos e a completa destruição de nossa democracia. Vocês acham que eu estou brincando? Acham que estou exagerando?”
Para Moore, 1 dos 5 principais planos eleitorais de Trump colocados em prática envolve “criar o caos, incutir o medo, incendiar a base com tom racista e começar o pandemônio”.
Trump costuma afirmar que os democratas, que qualifica como radicais e extremistas, têm inflamado a violência e o caos social em protestos raciais ao mesmo tempo em que defendem redução de verbas para a polícia, o que estaria por trás de um aumento nas taxas de tiroteios e homicídios em grandes cidades nos últimos meses.
Nessa perspectiva, se os americanos querem lei e ordem, teriam que reeleger Trump. “Lembre-se: cada exemplo de violência dado por Trump ocorreu sob sua vigilância, sob sua liderança, durante sua Presidência”, rebateu Biden no Twittter.
Em análise recente do guru do banco J.P Morgan, Marko Kolanovic, as chances de Trump se reeleger cresceram, entre outros motivos, por causa do impacto do aumento dos índices de criminalidade na opinião pública e nos padrões de voto, e há um “momentum“ a favor do republicano reverberado pelo discurso de lei e ordem adotado com vigor desde a confirmação de sua candidatura na semana passada.
4. Supressão do voto
O sistema eleitoral dos Estados Unidos tem diversas diferenças em relação ao modelo brasileiro. Além do colégio eleitoral e do voto não obrigatório citados acima, alguns Estados americanos adotam votações antecipadas ou pelo correio.
Alguns políticos, como Biden e o ex-presidente Barack Obama, defendem um uso mais amplo de votos por correio, mas Trump costuma afirmar que essa modalidade é passível de fraude — sem apresentar provas e ao contrário do que apontam estudos acadêmicos sobre o tema.
Em 2016, 21% dos que votaram usaram cédulas por correio. Neste ano, a modalidade assumiu papel central na eleição por causa da pandemia de covid-19. Não se sabe ainda quantas pessoas votarão por correio neste ano, mas uma adesão maior deve atrasar a divulgação do resultado eleitoral por dias ou semanas.
Segundo Michael Moore, restringir o acesso ao voto é mais uma das estratégias eleitorais de Trump para se reeleger, incluindo o desmantelamento do correio americano, que pode levar a atrasos ou o não envio de cédulas de voto para eleitores.
Para além de qualquer mudança na estrutura do correio durante o processo eleitoral, a desconfiança na modalidade por correspondência deve levar a uma perda de 0,6% ponto percentual dos votos de Biden, segundo cálculos da revista britânica The Economist.
Além disso, a Câmara dos Representantes dos EUA (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira), de maioria democrata, chegou a aprovar uma ajuda de US$ 25 bilhões para o correio para evitar problemas na eleição, mas o auxílio não deve passar no Senado, de maioria republicana.
Moore aponta consequências também para a redução de locais de votação, que deve levar a filas quilométricas no dia da eleição, ampliando a tradicional abstenção nos EUA. Em 2016, cerca de 55% dos adultos com idade para votar compareceram às urnas, e os jovens entre 18 e 24 anos compõem a faixa etária com menor participação (abaixo de 40%).
Vale lembrar que a eleição americana acontece em um dia de semana, sem ponto facultativo ou benefícios para evitar falta no trabalho.