Pesquisa premiada da UFSC dá protagonismo às mulheres negras na resistência à ditadura

Pesquisa mapeou a trajetória de nove mulheres negras

Uma pesquisa realizada na Universidade Federal de Santa Catarina, em co-tutela com a Université Rennes 2, de Paris, dá uma nova dimensão, na História, ao lugar das mulheres negras nos movimentos de esquerda durante a ditadura militar no Brasil. A tese de doutorado de Tauana Olívia Gomes Silva, orientada pela professora Cristina Scheibe Wolff, do Programa de Pós-Graduação em História, e por Luc Capdevila, conquistou recentemente o primeiro lugar no prêmio da Associação Brasileira de História Oral.

A voz de nove mulheres negras brasileiras foi cuidadosamente registrada em um trabalho que, com muito orgulho, Tauana escreveu na sua língua materna, o português. A garantia de que iria redigir sua pesquisa para que suas entrevistadas pudessem ler e divulgar foi uma experiência marcante no período de co-tutela, que também fez com que ela passasse um ano no Brasil, em 2014, no Laboratório de Estudos de Gênero e História. Mulheres Negras nos Movimentos de Esquerda durante a Ditadura no Brasil (1964-1985) foi defendida em 2019.

Diva Moreira, Maria do Espírito Santo Tavares dos Santos, Thereza Santos, Helenira Resende de Souza Nazareth, Lúcia Maria de Souza, Dora Lúcia de Lima Bertúlio, Maria Diva de Faria, Arabela Pereira Madalena e Edna Maria Santos Roland são as mulheres protagonistas da pesquisa – todas negras, participantes ativas dos movimentos de esquerda no período de ditadura. Tauana conta que, quando decidiu fazer o doutorado, já tinha interesse em estudar este período histórico – e foi justamente a ausência de referências sobre mulheres negras que a motivou a pesquisar.

Ela destaca que, entre as referências bibliográficas, percebia estudos que traziam o gênero e a raça como recortes, mas não uniam as duas perspectivas em um único objeto. A pesquisadora identificou que as mulheres retratadas como parte da resistência à ditadura eram das classe média ou classe alta e brancas. “E as mulheres negras nessa história?”, questionou. A partir daí, seu trabalho de pesquisa começou, com uma releitura da historiografia.

No percurso, investigou como as mulheres negras eram vistas a partir do período da escravidão, com a circulação das ideias abolicionistas e a introdução das teorias comunistas e anarquistas. Questionava, por exemplo, se a disseminação desses pensamentos considerava que os negros eram sujeitos políticos e o papel da mulher neste contexto. “As mulheres negras muitas vezes aparecem como seres passivos diante dos grandes eventos nacionais. A tese pode dar essa visibilidade, colocá-las como sujeitas políticas dos movimentos sociais que construíram o Brasil, como trabalhadoras, como militantes, como seres humanos que lutam por uma vida melhor. Nós somos herdeiras dessa luta”, sintetiza.

Percursos

Tauana também procurou essas trajetórias a partir do que já se conhecia sobre os movimentos operário e movimento camponês no Brasil, símbolos de resistência. “Muitas obras, às vezes, abordam a questão de gênero, mas poucas vezes abordam a questão racial. E quem são os operários e camponeses brasileiros? Eles são, em sua maioria, negros. Comecei a trabalhar dessa maneira”, recorda.

A pesquisadora se preocupou em investigar a introdução das ideologias de resistência nos espaços de mobilização das populações negras, particularmente as favelas.  “Os negros eram militantes e lideres desses movimentos nas favelas, nos comitês populares democráticos”, reitera. Seu estudo ainda destaca que as mulheres negras atuavam nas associações de bairro, nos partidos políticos, nos sindicatos e nos movimentos estudantis. Estavam, enfim, em todos os espaços sociais, ainda que suas trajetórias tenham sido invisibilizadas. “Muitas vezes elas aparecem como seres passivos diante dos grandes eventos nacionais”.

Na tese, Tauana especifica que a partir do século XIX, os negros eram a maioria dos trabalhadores do Brasil e, por isso, constituíram um grupo social ativo nos movimentos revolucionários. Ela recupera a trajetória de Diva Moreir, Maria do Espírito Santo Tavares dos Santos, Santinha e Thereza Santos no Partido Comunista Brasileiro; de Helenira Resende de Souza Nazareth e  Lúcia Maria de Souza, na Guerrilha do Araguaia; e de  Dora Lúcia de Lima Bertúlio, Maria Diva de Faria, Arabela Pereira Madalena e Edna Maria Santos Roland na “nova esquerda”.

Também expõe, em trechos do texto, sua própria trajetória como filha adotiva com traços negróides em uma família branca e como imigrante brasileira na França, país em que se casou, mas no qual, por meses, chegou a permanecer ilegalmente em busca de melhores condições de vida. “Vivi muitas experiências de opressão como imigrante do Sul”, relata. Essa trajetória auto-biográfica é relatada em trechos onde explica como foi seu contato e entrevistas com as mulheres negras da tese.

Orientadora do trabalho, Cristina Scheibe Wolff, celebra as conquistas de Tauana com o estudo, pela importância do tema no contexto atual e por se propor a recuperar uma luta invisibilizada pela historiografia. “A tese teve esse propósito principal que é mostrar a ação política das mulheres negras e como foram invisibilziadas na historiografia, nas ciências sociais e na mídia”.

Ela ainda destaca a importância da co-tutela com a Universidade de Rennes 2. “Esse convênio já rendeu várias teses e dissertações”, explica. “São convênios bastante importantes para a nossa universidade e para lá também, pois mostram essa cooperação internacional”, reforça a professora.

A pesquisadora Tauana Olívia Gomes Silva participou do “Conversa com as Autoras”, projeto do Laboratório de Estudos de Gênero e História (Legh). Confira o vídeo:

Amanda Miranda / Jornalista da Agecom / UFSC

Arte: Audrey Schmitz Schveitzer/Coordenadoria de Design e Programação Visual

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