O presidente do Peru, Martín Vizcarra, dissolveu na segunda-feira (30/09) o Congresso do país, controlado pela oposição, e convocou novas eleições para 26 de janeiro de 2020. Em resposta, o Congresso decidiu suspender o mandato de Vizcarra e empossou no seu lugar a vice-presidente, Mercedes Aráoz, mergulhando o país num impasse institucional.
Na prática, o Peru tem no momento dois políticos que se intitulam presidente. A decisão de Vizcarra de dissolver o Congresso é amparada pela Constituição, e ele conta com o apoio das Forças Armadas, enquanto a medida do Congresso é questionada por especialistas por ter sido tomada quando o mesmo já havia sido dissolvido.
A origem da crise institucional peruana, que será levada ao Tribunal Constitucional, tem relação com escândalos de corrupção trazidos à tona pela Operação Lava Jato, que atingiu quatro ex-presidentes e líderes da oposição no país e também teve repercussões políticas agudas no Brasil.
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Vizcarra, que inicialmente era vice-presidente, assumiu o mandato em março de 2018 após a renúncia do então presidente Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, que havia sido acusado de receber propinas da Odebrecht e enfrentou duas tentativas de impeachment.
Ao assumir o governo, Vizcarra adotou um discurso de combate à corrupção e moralização da vida pública que elevou sua popularidade, partiu para o enfrentamento com o Congresso e aprovou uma reforma política, ratificada pela população em referendo, que impede os membros do Legislativo de se reelegerem.
O Congresso, porém, é dominado pela oposição, e o partido com mais cadeiras na Casa é a legenda de direita Força Popular, do ex-presidente Alberto Fujimori, preso desde 2005 por crimes contra a humanidade cometidos durante seu governo, nos anos 1990, e de sua filha Keiko, que foi candidata a presidente em 2016 e perdeu por estreita margem de votos. Ela está presa preventivamente desde outubro de 2018 por suspeita de ter lavado dinheiro de propina da Odebrecht.
Embates com o Congresso
Antes do agravamento da crise, Vizcarra já havia proposto antecipar as eleições do país, e queria também alterar as regras de nomeação dos ministros do Tribunal Constitucional do Peru, que são hoje escolhidos pelo Congresso. Ambas as iniciativas haviam sido rejeitadas pelo Legislativo.
O Congresso, por sua vez, deflagrou um procedimento para trocar seis dos atuais sete membros do Tribunal Constitucional, e colocou entre candidatos aos cargos juízes acusados de terem cometidos crimes.
Se o procedimento fosse levado adiante, o Congresso teria influência sobre a maioria da Corte, que julgará em breve um pedido de liberdade para Keiko.
A Constituição peruana autoriza o presidente a dissolver o Congresso e convocar novas eleições se este rejeitar dois “votos de confiança”, o que efetivamente aconteceu.
Presidentes peruanos e Odebrecht
PPK não foi o primeiro presidente do Peru a ser envolvido em escândalos da Odebrecht. Em fevereiro de 2016, seu antecessor, Ollanta Humala, que governou o país de 2011 a 2016, foi acusado de receber propinas da empreiteira brasileira, mas permaneceu no poder até o final do mandato.
O antecessor de Humala, Alan García, presidente do Peru de 2006 a 2011, também viu seu nome ligado a suspeitas de recebimento de propina da Odebrecht, e teve destino trágico. Em abril de 2019, García se matou com um tiro após se tornar alvo de uma ordem de prisão preventiva.
Alejandro Toledo, antecessor de García, que governou o país de 2001 a 2006, também foi acusado de receber propinas da Odebrecht e teve sua prisão decretada em fevereiro de 2017. Ele permaneceu foragido até julho de 2019, quando foi preso nos Estados Unidos e atualmente enfrenta um processo de extradição para o Peru.