Pensamentos antológicos político-empresariais a-ecológicos no Brasil de ontem e de hoje

Foto: Cristino Martins / Arquivo / Ag. Pará

Por Elissandro Santana, para Desacato.info.

A empiria social na qual me insiro sempre desponta como objeto de observação e estudo, por isso, ao longo desta semana, ao refletir acerca de qual problemática brasileira analisaria na Coluna “A Outra Reflexão” no Portal Desacato, em decorrência de minha última leitura em torno da obra “Ecologia e cidadania”, de Carlos Minc, resolvi discorrer sobre um dos pontos que mais me chamou a atenção no livro em questão – as frases antológicas cunhadas por políticos e empresários brasileiros que, ao longo de anos, direcionam uma política não ecológica que nos induz ao caos ambiental, social e econômico.

Para dar início à discussão, é importante apontar que o meio ambiente, a sociedade e a economia são pontos em intersecção, não podendo ser dissociados, e que se o Brasil não tomar outro rumo, dando continuidade à práxis e a conceitos obsoletos insustentáveis de exploração ambiental a partir da técnico-lógica político-empresarial de depredação de nossos capitais, bens e serviços naturais, não haverá a possibilidade de arrancar esperança do futuro, aliás, o próprio presente será inviabilizado.

No livro mencionado, Minc, um dos pensadores mais importantes de nosso país, discute temas como preservacionismo, ecologia social, cidadania ecológica, meio ambiente na história, ecologia urbana, educação ambiental, economia humana, ecologia do trabalho, economia política do meio ambiente, cidadania ecológica a partir da autonomia e da autogestão e, por último, um programa aplicado de cidadania ecológica, problemáticas imprescindíveis para pensarmos o Brasil de ontem, de hoje e a nação que queremos-precisamos.

O autor em baila, na obra em análise, nos apresenta discursos históricos por meio de antologias frasais elaboradas, reitero, por políticos e empresários do passado, alguns ainda em jogo no cenário político nacional, que revelam as direções equivocadas pelas quais o Brasil cruzou e segue cruzando nos domínios da política, da economia e do uso insustentável da natureza. O terrível, e não é exagero, é que as mesmas frases que verão abaixo, que foram registradas na obra de Minc, seguem vivas, sendo recorrentes na arena política brasileira, por meio de antigos e de “novos velhos” atores políticos sob a égide da ideologia não ecológica da depauperação de nossas bases naturais geradoras de divisas e riqueza que, historicamente, se concentrou nas mãos da minoria social, a elite colonial, que perdura no XXI sob a ótica do mesmo modus operandi de usufruto escuso dos primeiros momentos de nossa formação, construção e constituição de nacionalidade.

Dentre as frases antológicas cunhadas por políticos e empresários brasileiros bastante conhecidos, apresentarei algumas das que foram mencionadas por Minc:

  • “As 5 mil motosserras distribuídas gratuitamente por nosso governo são instrumentos de trabalho e fator de desenvolvimento”. (Pensamento proferido pelo antigo governador do Amazonas, por nome Amazonino Mendes, dois anos antes da promulgação da Lei Federal que equiparou a motosserra à arma de fogo, proibindo seu uso sem critérios).
  • “Sem o mercúrio não haverá garimpo, nem ouro”. (Frase elaborada por Sebastião Curió, antigo deputado, três anos antes de comprovada a existência de uma quantidade absurda de mercúrio nos rios madeira e Tapajós e de promulgada uma Lei Federal determinando a reciclagem e progressiva substituição do mercúrio).
  • “O nuclear é 100% seguro e sem ele haverá grave crise de energia”. (Construção discursiva externada pelo ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Rex Nazaré, antes do vazamento de água do circuito primário do gerador de Angra I, em 1986, e do acidente do césio-137, em Goiânia, em 1987).
  • “Os índios estão aculturados e ocupam um território muito maior do que sua população realmente necessita”. (Frase proferida pelo famoso Senador Romero Jucá, o mesmo do áudio vazado em nossa história recente em que se evidenciou que o golpe contra a Presidenta Dilma, aliás, contra toda a nação e nossa democracia, foi orquestrado com o STF e com tudo. Esta frase se tornou pública no momento em que Jucá reagiu contra a demarcação das terras das nações indígenas determinada pela Constituição Federal de 1988, meses antes da invasão do território da nação Ianomâmi por garimpeiros e da manifestação oficial da ONU contra o etnocídio na Amazônia).
  • “A eficiência da agricultura moderna depende do uso intensivo dos defensivos químicos”. (Pensamento que veio a público pelo ex-ministro da Agricultura Nestor Jost, também ex-dirigente da Bayer, produtora de agrotóxicos, um ano antes da resolução do Ministério da Saúde proibindo os organoclorados e de a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) tornar disponíveis os métodos de combate biológico às sete principais pragas da agricultura brasileira).

Para fins de reiteração e de iteração, as frases acima, infelizmente, não estão no passado. Elas estão no presente e são retomadas com muita frequência, mesmo que, em muitas ocasiões, a partir de outras estruturas e facetas, aparentemente travestidas de éticas e de morais no discurso de antigos e de “novos velhos” políticos antiéticos apologistas e executores de golpes e de desestabilização da nação.

Todo esse quadro corrobora que nossos problemas possuem raízes históricas profundas que tornam nossa práxis política fisiológica, emperrando o desenvolvimento da nação para todos e com desrespeito ao meio ambiente do qual somos parte neste país de dimensões continentais, chamado – Brasil.

Outro país, justo, solidário, politicamente sustentável e economicamente viável, só será possível quando as raízes de nossa fisiologia político-econômica forem cortadas e exterminadas, para que, desta forma, outra arquitetura política e econômica desponte como crítica à prática-discursiva-operacional que atravessa todos os setores do capitalismo que destrói o meio ambiente, que deteriora a qualidade de vida da população e que oprime as minorias sociais que sustentam toda a elite apologista da dependência. Por fim, como bem sinaliza Minc, as frases antológicas em questão demonstram que nossa política foi e segue sendo gestada-executada a partir da desqualificação da vida, da natureza e das culturas retratadas como se fossem obstáculos ao crescimento econômico e ao progresso.

Em meio à nossa triste conjuntura, é importante que saibamos que tudo só será diferente com uma revolução e esta não virá jamais pelos poderosos que estão no poder. A revolução somente ocorrerá a partir da unidade de todas as minorias, dos movimentos sociais contra o sistema atual e antigo de opressão, das várias vertentes dos movimentos feministas, dos LGBTS, dos povos negros, das nações indígenas, das e dos ecofeministas, dos e das ecossocialistas, ou seja, dos modelos não hegemônicos historicamente excluídos que precisam assumir o lugar e os postos que lhes são devidos e de direito, negados por esta elite político-empresarial-jurídico-midiática de capitalismo dependente mantenedora dos retratos históricos da opressão neste imenso Brasil de todas as cores, de todos os credos, de não credos e de todas as formas de ser e de estar.

Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.

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