Candidato da esquerda em 2011, o presidente peruano Ollanta Humala só tem uma obsessão: satisfazer o lobby das mineradoras, com o risco de reprimir mobilizações populares, como em Cajamarca, no norte do país
Por Anna Bednik.
Dia 2 de maio de 2011, praça central de Bambamarca, no planalto andino peruano. Com microfone na mão e vestindo poncho, Ollanta Humala, ex-militar candidato à presidência, grita escandalosamente: “O que é mais importante: a água ou o ouro? Vocês não bebem ouro, não comem ouro! […] É da água que provém a riqueza”. Não, Minas Conga não passará!
Minas Conga? Um projeto de extração de cobre e de ouro pilotado pela Yanacocha, um consórcio formado pela gigante norte-americana Newmont (51,35%), o grupo peruano Buenaventura (43,65%) e a Sociedade Financeira Internacional (5%), subdivisão de crédito para o setor privado do Banco Mundial. Quatro lagos vão desaparecer. Durante os dezessete anos de exploração previstos, quase 90 mil toneladas de dejetos contaminados com metais pesados serão despejados por dia. E estamos falando de uma zona de recarga hídrica; fonte de rios que abastecem campos, cidades e vilas das redondezas.
Famosa por sua produção de leite e queijos, a região de Cajamarca já sofreu com a seca de outros lagos causada pela Yanacocha. Desde 1993, a empresa explora aqui a maior mina de ouro da América do Sul. Para isso, ela foi autorizada a bombear quase 900 litros de água por segundo, ou seja, de três a quatro vezes mais que a capital de Cajamarca, obrigada a racionar água potável para seus 284 mil habitantes. As frentes de defesa do meio ambiente e as rondas camponesas (comitês de vigilância com funções jurisdicionais) acusam a empresa pelo esgotamento de alguns cursos de água e por diversas poluições com metais pesados, cianeto e outras substâncias tóxicas. Por isso, quando o candidato da coalizão nacionalista Gana Perú prometeu “respeitar a vontade [do povo] em relação à indústria da mineração”, ele foi aplaudido por muitos.
Humala venceu as eleições em junho de 2011, graças à aliança selada no segundo turno com o ex-presidente centrista Alejandro Toledo (2001-2006), que lhe forneceria a maior parte de seus ministros. Cinco meses depois, ele mudou de análise: “Nós recusamos posições extremas! […] Água ou ouro? Propomos uma posição razoável: água e ouro”.1 Quando uma greve geral paralisou a cidade de Cajamarca para exigir o abandono do projeto, Humala se colocou na vertente direta de seus predecessores: declarou estado de emergência e deslocou as Forças Armadas. Em julho de 2012, quando reiterou seu apoio à Yanacocha, os protestos desencadeados foram violentamente reprimidos: cinco mortes e mais de trinta feridos.
Chamado “A grande transformação”, o programa Gana Perú, redigido em 2010, versava sobre um requerimento contra o modelo neoliberal, denunciando a especialização do país como exportador de matéria-prima e a apropriação dos recursos naturais pelas empresas estrangeiras. Em setembro de 2013, durante o encerramento da feira profissional Perumin, Humala não buscava mais ruptura. “A indústria da mineração responsável deverá tornar-se uma alavanca para nosso desenvolvimento graças ao investimento privado”, declarou o presidente do Peru, país que parece condenado à exploração de minas desde a época colonial.
Entre 1993 e 2012, o investimento privado no setor de mineração cresceu quarenta vezes. As reformas neoliberais dos anos 1990, conduzidas por Alberto Fujimori (direita), e depois a disparada do preço dos principais metais nos anos 2000 (mais de 400% de aumento para o ouro, cobre e estanho; 150% para o zinco; 350% para o chumbo; e mais de 550% para a prata) consolidaram a dependência da economia em relação a esse setor. Primeiro lugar em destino dos investimentos estrangeiros diretos, ele representa 60% das exportações, fornece ao Peru 50% de suas divisas e quase 15% de suas receitas fiscais. Consequências? Uma fraca diversificação e vulnerabilidade à flutuação de valores nos mercados internacionais.
Os economistas ortodoxos assinalam que, ao longo da década passada, caracterizada por um forte crescimento econômico, a taxa de pobreza recuou 28 pontos percentuais. Porém, nas regiões rurais dos Andes, principais zonas de implantação das minas, ela ainda atinge 58,8%, contra 14,5% em Lima. Pouco integrada à economia local, a indústria mineira emprega diretamente apenas 1,3% da população ativa e mobiliza recursos naturais e de água que antes se destinavam à agricultura familiar, principal fonte de renda nos campos.
Com a ajuda da polícia francesa
Sob a presidência de Humala, a revisão dos impostos na mineração para financiar políticas sociais não afugentou as empresas: as despesas adicionais correspondentes às novas taxas, dedutíveis do imposto sobre as empresas, permaneceram relativamente limitadas, visto que o novo modo de cálculo da arrecadação – baseado no resultado operacional, e não mais no valor das vendas – correspondeu exatamente ao proposto pelo lobby das mineradoras.
Por outro lado, esse mesmo lobby exigiu do governo a simplificação dos procedimentos administrativos. Isso seria a condição para ganhar em competitividade – e manter os investimentos –, já que o preço dos metais passou a recuar há dois anos. No final de 2013, um pacote de medidas instauradas por decreto já modificou as condições para a concessão de licenças na mineração: garantia de proteção do patrimônio arqueológico quase suspensa,2 prazo para a aprovação dos estudos de impacto ambiental reduzido para cem dias. Paralelamente, as comunidades andinas, a maioria formada por quíchuas e aimarás, foram excluídas do perímetro da lei que obriga as empresas a consultar as populações indígenas.
As licenças de exploração e extração se multiplicam e estendem-se a novos territórios (até 69% de algumas regiões), e a indústria mineradora se tornou a primeira causa de conflitos sociais: foram 107, dos 175 registrados em setembro de 2013. Passar dos US$ 30 bilhões de exportações de minérios em 2016? Esse objetivo fixado pelo Executivo esbarra em uma última fronteira: a resistência das populações locais. Em novembro de 2013, um ano após a chegada a Cajamarca de dois oficiais da polícia francesa – com o objetivo de formar os membros da divisão antitumulto para o “controle de multidões” –, dois acordos de cooperação em matéria de segurança e de defesa foram assinados com a França. Logo em seguida, a França enviaria outros formadores a Lima. Será que o “savoir-faire francês” ? o mesmo que a então ministra das Relações Exteriores e Europeias, Michèle Alliot-Marie, ofereceu à Tunísia antes da queda de Zine al-Abidine ben Ali ? estaria encontrando um novo destino?
Fonte: Portal Vermelho.
Foto: Ernesto Benavides/AFP