Pela liberdade da arte e da cultura: abaixo os ataques do governo Bolsonaro

Artistas e estudantes de artes da UFMG e da UFRGS escrevem sobre a necessidade de defender a liberdade e o acesso da arte e da cultura de maneira conectada a uma batalha contra os avanços neoliberais do governo Bolsonaro.

Por Lina Hamdan (Estudante de Artes Visuais na UFMG) e Luno P. (Coordenador Geral do Centro Acadêmico do Teatro da UFRGS (CADi))

Imagem: Reprodução

Podemos afirmar, sem medo de exagerar, que há muitos anos não se via no Brasil uma ofensiva ideológica tão reacionária quanto a que vemos agora. Ao longo do último ano, acompanhamos, não calados, uma continuidade de ações do governo Bolsonaro e seus alicerces parciais localizados Brasil afora, como Witzel e Dória que visam consolidar um projeto de lapidação e controle da cultura e da arte produzida no país, como forma de tentar silenciar ou ao menos enquadrar dentro de seus sacramentados limites aqueles setores que historicamente cumprem o papel de serem grandes e potentes críticos da sociedade.

A arte precisa ser livre de qualquer censura e controle governamental para que siga cumprindo seu papel histórico de questionamento, denúncia e expressão da realidade e das necessidades humanas. É em defesa da manutenção de uma realidade decadente, imposta pelo sistema capitalista, que a extrema-direita busca controlar e censurar a produção cultural, para que as denúncias das contradições que nos assolam e qualquer perspectiva de enfrentá-las e superá-las não se expressem em forma artística. A extrema-direita busca enfiar nos porões tudo aquilo que sai da sua ordem escravista: nossos corpos nus fora do “padrão”, nossas cores a mostra, nossas danças não cristãs, a chama insurreta de uma juventude que quer fazer e falar de política, negros e negras nas galerias, nos filmes, nossas vozes amplificadas, aquele sorriso e aquele orgulho que eles acham que deveriam continuar massacrados por anos de longa história de opressão e exploração.

Começamos 2019 sem Ministério da Cultura, vimos processos de escalada da censura com os episódios dos filmes Marighela e A Vida Invisível, dos livros LGBTs na Bienal do Rio, cortaram fundos de financiamento da Ancine, prenderam Rennan da Penha, assassinaram jovens em Paraisópolis para reprimir sua cultura e finalizamos o ano com um ataque à sede do Porta dos Fundos. Começamos 2020 com a justiça carioca aceitando a censura ao especial de natal da mesma produtora e seguimos janeiro com o escandaloso vídeo publicado na noite do dia 16 pelo então secretário da cultura, Roberto Alvim, em que este, que havia sido elogiado um dia antes pelo próprio presidente Bolsonaro, se baseia diretamente em um líder nazista, braço direito e principal propagandista do partido de Hitler, para expor o que deseja para cercear a produção artística e cultural brasileira sobre os moldes ideológicos da direita. Agora a secretaria da cultura, pertencente hoje ao ministério do Turismo, ficará sob o comando da atriz direitista Regina Duarte, que escreveu que está noivando com o governo e que já em 2017 havia sido favorável à extinção do Ministério da Cultura.

A hostilidade frente à arte e à cultura segue a linha que vimos crescer nos últimos anos na perseguição a estudantes e professores, consolidada nos projetos conhecidos como Escola sem Partido. Criam um alvo chamado “marxismo cultural”, discurso que a nova secretária da cultura aplaude em evidente continuidade a Alvim, com Bolsonaro mais uma vez se prestando ao ridículo de tentar igualar nazismo e comunismo, para controlar todo ambiente do qual possa brotar profundos questionamentos tanto ao governo quanto à sociedade de conjunto. Querem aprofundar os fundamentos de um Estado ligado cada vez mais à religião, como maneira de dificultar que explodam ideias que subvertam a lógica de que nascemos pra ficar sempre sob a mesma linha, pura e imaculada, da superexploração capitalista.

Quando Bolsonaro iguala nazismo a comunismo ao redor do debate em relação à arte e à cultura, é para anular os enormes avanços e conquistas do primeiro Estado operário da história, que liberou as energias e potencializou a arte e a cultura de uma forma tão potente como nenhum Estado capitalista jamais conseguiu. A União Soviética conquistou isso, mesmo tendo que se enfrentar com exércitos imperialistas e com as enormes dificuldades de levar adiante uma revolução num país onde a servidão em muitos casos ainda era uma realidade.

Bolsonaro se baseia na falsificação histórica e na asfixia e controle artísticos implementados tanto por Hitler, na Alemanha nazista e nos países ocupados por esta, quanto por Stalin durante seu domínio burocrático sobre a União Soviética. Stalin e seu legado, diferentemente do que a direita e, inclusive, parte da esquerda defendem, não representam o comunismo, senão o seu maior inimigo. É na censura e no cerceamento da liberdade que encontramos o aspecto que de fato o stalinismo se conflui com o nazismo, mas também com os objetivos elitistas e reacionários de Bolsonaro que, mesmo demitindo o agora ex-secretário de cultura, prepara ideologicamente o terreno para facilitar a continuação da implementação de seus planos de ataques econômicos aos trabalhadores e setores mais precarizados da população, como a reforma administrativa que Paulo Guedes quer encaminhar o mais rapidamente possível.

Tanto para Bolsonaro, quanto para Hitler e Stalin, qualquer novidade artística os aterroriza supersticiosamente na medida em que carrega a chama do questionamento da ordem social imposta. Os três são portadores do reacionarismo amedrontado que aceita produções apenas de lacaios de seus regimes. Stalin foi responsável por distorcer a compreensão histórica do comunismo, que nunca chegou a ser desenvolvido até o fim em qualquer país do mundo, e, assim, trair, sob a pena de morte de artistas e opositores políticos, a luta internacional dos trabalhadores e povos oprimidos pela emancipação da vida e por uma sociedade em que a liberdade e a produção artística sejam plenas e universais. Seu legado deve ser completamente condenável.

Defendemos até o fim a liberdade da arte e dos artistas, mesmo sabendo que, em sua completude, só poderia ser obtida em um outro tipo de sociedade, pois acreditamos que ela “expressa as necessidades interiores do homem e da humanidade atual”, citando o Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente assinado por André Breton e Trotski em 1938. Queremos a arte e a cultura livre e para todos, vislumbres que podemos ter no processo de luta de classes atual que ocorre na França em que os trabalhadores da cultura, em greve contra a contra-reforma da previdência de Macron, apresentam nas ruas do país ao lado dos ferroviários, motoristas, eletricitários, estudantes e da população em geral que se aglomera em apoio à luta.

A arte não pode ser alvo de qualquer tipo de coerção e imposição, na medida em que acreditamos que ela gera um contraste e um conflito com a realidade atual, um protesto contra esta, apesar de sabermos que sem a luta organizada dos trabalhadores e a construção internacional de ferramentas políticas de nossa classe, a arte não é capaz por si de pretender substituir essa realidade nem de transformá-la materialmente, através de sua completa e radical reconstrução.

Retomando a realidade brasileira atual, é imprescindível analisar o aprofundamento do reacionarismo ideológico em diversos meandros sociais e institucionais no Brasil com outros tipos de avanços conservadores, mais ligados aos aspectos econômicos liberais. A massa que Bolsonaro quer tirar das universidades com seus ataques à educação é a mesma atingida com o ataque ao conteúdo dos livros didáticos. Aqueles que são mais prejudicados com os aumentos das passagens do transporte público são os que já têm seu direito ao acesso à cultura e à arte negado. O massacre em Paraisópolis é um triste retrato da política que a extrema direita tem para a ampla maioria da juventude, especialmente a pobre e negra. Temos direito à cidade, temos direito a desenvolver nosso julgamento crítico, temos direito a fruir da arte e tirar dela todas as indagações que podem nos impulsionar a procurar mudar o mundo. Queremos um mundo onde todos possam se expressar artisticamente, ao contrário da realidade atual em que a gigantesca maioria da população, sufocada pela exploração e miséria capitalistas, não pode desenvolver um conhecimento e uma produção artísticos.

Sabemos que a base para que Bolsonaro possa seguir com essa política de perseguição e repressão contra a arte e a cultura é se esse governo consegue avançar nos ataques econômicos que os capitalistas tanto desejam, como as nefastas reforma da previdência e trabalhista, retirando nossos direitos, nossas aposentadorias e nos obrigando a trabalhar até morrer. Por isso, a defesa da liberdade na arte e cultura caminha lado a lado com o combate a cada ataque que esse governo visa implementar para favorecer os interesses dos capitalistas.

As organizações de massas, desde sindicatos, diretórios centrais e entidades estudantis, sejam elas dirigidas pelo PT ou pelo PCdoB, foram peça crucial para garantir a não-explosão nas ruas de questionamentos a Bolsonaro quando esses se ofereciam com maior intensidade, como por exemplo quando poderia confluir a luta contra os cortes na educação e a luta contra a Reforma da Previdência, ou poderia ter acontecido em meio a catástrofe das queimadas na Amazônia e Cerrado, ou mesmo em potencial se mostra agora com a raiva pelo ENEM. Esta inação é a parte que cabe a essas direções para contribuir a uma estratégia meramente eleitoral e passiva de esperar anos para “vingar” nas urnas, e já aceitando todas as contra-reformas bolsonaristas como dadas.

Nós estudantes estivemos na linha de frente das grandes manifestações contra os ataques de Bolsonaro tanto à educação como à previdência. E agora precisamos voltar a nos organizar desde nossas entidades estudantis ao lado da classe trabalhadora, para defender a liberdade da arte e cultura e seu livre acesso, lutando contra cada um dos ataques deste governo e seus lacaios.

Para isso, é preciso defender também nosso direito à cidade e, consequentemente, ao livre trânsito nos centros urbanos, garantindo nosso direito ao transporte gratuito, implementando desde já o passe livre para toda juventude. Isso só poderia se dar na medida em que atacassemos os lucros das grandes empresas do transporte já que hoje o transporte e o acesso à arte e a cultura são vistos como mercadoria.

Portanto, não acreditamos na utopia de que conseguiremos esses direitos básicos sem batalhar pela estatização do transporte público sob gestão de seus próprios trabalhadores e controlado pelo interesse dos próprios usuários, ou seja, a população. Junto a isso, como dissemos, está completamente ligado à luta pelo direito à educação, pelo livre acesso às universidades públicas através da estatização das faculdades privadas e do fim dos processos seletivos como o vestibular e o ENEM, contra as reacionárias ameaças econômicas, democráticas e ideológicas do governo e da extrema-direita.

Como estudantes de arte, acreditamos que todas as entidades estudantis precisam se levantar, fortalecendo nossa unidade e articulação nacional para organizar uma discussão sobre a arte e a cultura no bolsonarismo desde a base com os estudantes na volta às aulas.

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