Pecuaristas e madeireiros protagonizam eleições no Arco do Desmatamento

Candidatos em 52 municípios têm 500 mil hectares em fazendas e 54 mil cabeças de gado, em região arrasada pela pecuária; vários já foram flagrados com desmatamento e trabalho escravo

Por Alceu Luís Castilho.

Trinta e um candidatos a prefeito e vice-prefeito em 2016 possuem pelo menos 466 mil hectares – quase o território da Cisjordânia, na Palestina – nos municípios que mais desmatam no Brasil. Um entre cada quatro candidatos são pecuaristas, na região onde a pecuária é a principal vilã do desmatamento. Somente entre os que declararam gado (muitos não o fazem), De Olho nos Ruralistas identificou 54 mil cabeças. Contando apenas o gado bovino e bubalino. Uma média de 180 reses por político. A média no Brasil é de uma por pessoa.

O levantamento do observatório se baseou nas declarações de bens entregues à Justiça Eleitoral. No dia 3 de outubro, 52 municípios que recebem atenção especial do Ministério do Meio Ambiente poderão eleger ou reeleger madeireiros, acusados de desmatamento e trabalho escravo. Ou políticos com fazendas em terras indígenas. Ou que  declararam propriedades em projetos de assentamento do Incra. É o que mostrará esta série – O Arco Político do Desmatamento – nos próximos dias.

Vejamos os maiores latifundiários no Arco do Desmatamento, entre os candidatos em 2016:

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É difícil se aprofundar nessa lista sem trombar com algum dado muito peculiar. O megalatifúndio do ex-prefeito Gean Barros em Lábrea, na região do rio Umari, fica, a rigor, na Reserva Extrativista do Médio Purus, no sul do Amazonas. Uma área de conservação. Suely Soares (candidata a vice, assim como Tião da Parasul e Edgar do Boi) é viúva de um ex-prefeito que dominava a região, Davi Resende Soares, um conhecido – e temido – madeireiro. Edgar do Boi, como sugere o codinome, é mais um entre tantos pecuaristas – e também madeireiro. Já foi denunciado por crime ambiental.

(Foto: Ibama)
(Foto: Ibama)

Contexto de ilegalidades.

O Arco do Desmatamento – que alguns querem transformar no Arco do Desenvolvimento Sustentável – é uma faixa de território bem mais ampla que a dos municípios escolhidos. Chega a quase 300 municípios na Amazônia Legal, em terras pressionadas pela soja e ainda dominadas pela pecuária, ou pelo extrativismo ilegal. Optamos por uma lista de 52 municípios que já receberam atenção especial do Ministério do Meio Ambiente. Foram tabulados os dados de 305 candidatos a prefeito e vice-prefeito.

O levantamento feito pelo De Olho não inclui os vereadores. Nem os deputados estaduais e federais, eleitos em 2014, ou os senadores eleitos em 2010 e 2014. Muito embora muitos destes também tenham propriedades rurais na região. E não somente aqueles políticos do Amazonas, do Pará, de Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão, os estados que compõem a Amazônia Legal. Políticos de todas as regiões do país possuem terras, por exemplo, em São Félix do Xingu (PA), onde “quase 100% das terras são ilegais”, nas palavras do geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, da Universidade de São Paulo.

Recordista em assassinatos de trabalhadores rurais, São Félix do Xingu é um município onde a vice-prefeita, Cleidi Capanema (PP), está na Lista Suja do Trabalho Escravo. Lá aparece com o nome completo, Cleidimar Gama Rabelo. O prefeito, João Cleber (PMDB), é um velho conhecido de quem acompanha os conflitos no campo na região. Dono de 25 mil hectares – tamanho das Ilhas Cayman – e de 16 mil cabeças de gado, ele aparece em documento da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre violência no Pará como pivô de casos de grilagem. Em 2016, é candidato à reeleição.

Em janeiro, em reunião com o presidente da Funai, João Cleber ameaçou renunciar ao cargo, caso o governo insistisse na retirada de agricultores da Terra Indígena Apyterewa. E não se trata de um caso isolado. O atual prefeito de Alto Boa Vista, Leuzipe Gonçalves (PMDB), foi denunciado em março por desmatamento na Terra Indígena Maraiwãtsèdè, território no Mato Grosso que foi objeto de desintrusão durante o governo Dilma Rousseff. O prefeito de Alta Floresta (MT), Asiel Bezerra (PMDB), candidato à reeleição, possui uma fazenda de 444 hectares no oeste do Mato Grosso do Sul, em Paranhos, em terras dos Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva, já reconhecidas pela Funai.

Em outras palavras, o Arco do Desmatamento é uma terra de ninguém. Ou de quem tem poder. É uma região onde se declara uma área de 420 hectares em Santana do Araguaia (PA) como “direito de posse”. Como consta na declaração de bens de Wanderley Perin (PR), que tenta voltar à prefeitura de Alto Boa Vista, no Mato Grosso. Ele ainda tem metade de outra área, de 917 hectares, em Paranatinga (MT), igualmente descrita como “direito de posse”. Não se trata de um pequeno produtor, ou posseiro. Em 2008 ele tinha R$ 12 milhões em bens. E ainda tem 800 cabeças de boi, no valor de R$ 960 mil.

Prosperidade

Quase a metade (148) dos 305 candidatos analisados – em 52 municípios do Arco do Desmatamento – declarou possuir fazenda ou gado. Ou ambos. A soma dos bens desses 148 políticos é de R$ 409 milhões. A maior parte vem de fazendas (R$ 215 milhões) ou gado (R$ 54 milhões).

Vejamos as terras mais valiosas, conforme as declarações entregues pelos candidatos em 2016:

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É preciso entender que as declarações de bens de políticos têm variações curiosas. Às vezes declaram dezenas de milhões por um bem, às vezes alguns centavos. Em Santana do Araguaia, no sul do Pará, o candidato a vice-prefeito Sebastião Alves de Araújo, o vereador Tião da Parasul (PSL), declarou uma fazenda de 3.456 alqueires – mais de 9 mil hectares, na região norte – por R$ 1,00. Quanto? Sim, somente um real. E é esse o total de bens do candidato: R$ 1,00.

E, para alguns deles, as terras de floresta não valem quase nada. O tucano João Rogério de Souza, candidato em Nova Bandeirantes, declarou duas propriedades milionárias no município. Além de uma madeireira. Uma dessas propriedades, declarada por R$ 3 milhões, está na lista acima. É apenas uma chácara. Outra, de 28 alqueires, por R$ 2,5 milhões. Por outro lado, ele informou possuir uma área de 550 alqueires – 1.500 hectares – de “mato” por somente R$ 1.200.

O candidato que encabeça a lista acima, Carlos Capeletti (PSD), já foi prefeito em Tapurah (MT). E chegou a levar uma multa de R$ 8 milhões, da Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso, em 2009, por desmatar 8.170 hectares na Fazenda Rio Vermelho. Em 2016, foi instaurado novo procedimento, pelo Ministério Público Estadual, pela destruição de 36 hectares de vegetação nativa, “objeto de especial preservação, sem autorização ou licença da autoridade ambiental”. Na mesma fazenda Rio Vermelho, no município de Comodoro.

A integração com o agronegócio se dá de forma explícita. Capeletti é produtor de grão e aves, com venda exclusiva para a BRF. E preside a Associação dos Produtores de Proteína Animal (Appa), com sede em Lucas do Rio Verde. Nos anos 2000, ao lado do ex-prefeito Otaviano Pivetta – dono de uma das principais empresas do Mato Grosso, a Vanguarda Agro -, eles convenceram a Sadia a instalar um frigorífico na região. Tapurah se tornou o maior fornecedor regional de leitões para a empresa.

Madeira retirada de terra indígena em Colniza (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Madeira retirada de terra indígena em Colniza (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Um protagonista peculiar 

Para se entender melhor o que acontece nesses municípios vale observar dois casos recentes em que os políticos foram parar atrás das grades.

Em Confresa (MT), o ex-prefeito Iron Parreira (PSDB) foi preso em abril, acusado degrilagem de terras na região do Araguaia. Já havia sido preso em 2015, pelo mesmo motivo. O médico é acusado de se apropriar de terras em quatro municípios do Mato Grosso. Durante a primeira operação, seu advogado o definiu como um homem de bem, “tanto que foi encontrado trabalhando no consultório”. “Na verdade, a população foi quem invadiu 640 lotes dele. Ele sempre foi vítima de grilagem de terras”, disparou. Parreira foi solto em agosto.

Em Dom Eliseu (PA), um secretário do Meio Ambiente foi preso em julho pela Polícia Federal, em meio à Operação Cupinzeiro. Definido como supersecretário do prefeito Joaquim Nogueira (PMDB), Edilberto Poggi foi acusado de integrar um esquema de transporte de madeira ilegal pelas estradas federais. A operação – que não ganhou destaque nacional – foi deflagrada em nove municípios do Pará, Maranhão, Sergipe e Piauí. Os alvos eram fiscais, madeireiros, policiais rodoviários e transportadores de madeira. Um vereador de Itinga (MA) também foi acusado de pertencer ao grupo. (Ironicamente, Poggi apareceu este ano em um texto de ONG estadunidense como exemplo de um combate moderno ao desmatamento.)

No caso de Dom Eliseu, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado do Pará identificaram uma conexão do esquema com um protesto realizado em dezembro. Em reação a uma operação de combate a crimes ambientais, madeireiros, pecuaristas, agricultores, carvoeiros e políticos teriam se reunido para financiar depredação, furtos e incêndios na cidade, na Câmara, na prefeitura e até na sede da PRF. Em 2012, caso similar: os manifestantes exigiam a retirada do Ibama.

Um arco suprapartidário

Em Lábrea (AM), o ex-prefeito Gean Barros, do PMDB, tenta voltar à prefeitura, dois anos após ter sido flagrado explorando trabalho escravo, em seu seringal – do tamanho de Guadalupe – no sul do Amazonas. E não somente trabalho escravo, mas também trabalho escravo infantil. A candidatura foi lançada pelo senador Eduardo Braga (PMDB-AM). A coligação entre 16 partidos inclui o PT e o PCdoB, o DEM e o PSDB, o PSB e o PPS, o PV e o PP. (O PSOL escapou: saiu em outra coligação com o PSD e quatro nanicos.)

Quase não há partidos imunes a esse movimento político. As coligações com chance efetiva incluem PT e PCdoB, PV e PPL, aliados aos partidos que têm os maiores proprietários rurais na região: PMDB, PMDB, PSD e PSB. Trabalhadores, comunistas e socialistas – pelo menos conforme o nome das siglas – em composição direta com os filhos da Arena e do MDB, que reservam suas vagas à prefeitura para chapas onde pelo menos um dos políticos é um grande fazendeiro. Ou madeireiro. Ou empresário do agronegócio.

O PT, que acaba de ser apeado do governo federal, aliou-se 23 vezes com o PR, nesses 52 municípios analisados. Com o PMDB do presidente Michel Temer, 20 vezes. Com o PDT (partido repleto de latifundiários nos rincões do país), 19 vezes. Com o PP, 17 vezes. Com DEM e PROS, 16 vezes cada. E assim por diante, até chegar a oito coligações com o PSDB, sete com o SD de Paulinho da Força (a rivalidade sindical existe) e quatro com a Rede, de Marina Silva.

Em Altamira (PA), o maior município do Brasil, a professora Josy Amaral (PSB) tenta chegar à prefeitura em uma coligação de 20 partidos. Curiosidade: um de seus bens é uma indenização da Norte Energia por desapropriação de imóvel. Ou seja, ela foi uma das despejadas para a construção da usina de Belo Monte. Vale conferir na íntegra o elástico arco partidário de sua candidatura: PSB, DEM, PSDB, PRB, PCdoB, PR, PPL, PTN, PPS, PMN, PSD, PRTB, PSDC, SD, PDT, PSL, PTC, PRP, PROS, PTB. Dessa vez PT e PMDB ficaram de fora.

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Altamira: 20 partidos unidos por uma candidatura do PSB no maior município do país

Esclarecimento

A reportagem trabalha com dados oficiais. Declarados pelos próprios políticos, confrontados com as Listas Sujas do trabalho escravo, com decisões judiciais, investigações da polícia, fiscalizações do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e denúncias feitas pelo Ministério Público. A menção individual a cada político, nesta reportagem, não significa que ele tenha sido condenado, ou mesmo que esteja sendo investigado. Perante a Justiça, todos são inocentes, até prova em contrário.

A soma das histórias, porém, deixa claro que quem disputa o poder político no Arco do Desmatamento não costuma ser alheio ao fenômeno.

Fonte: De Olho nos Ruralistas

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