Por Paloma Vasconcelos, para Ponte.
Pela segunda vez, a peça O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, em que a atriz trans Renata Carvalho interpreta Cristo, foi vítima de uma censura judicial. Nesta sexta-feira (27), a peça, escrita por Jo Clifford e com direção de Natalia Mallo, foi impedida de se apresentar no Espaço Cultural Barroquinha, em Salvador, como parte do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia. Na noite anterior (26), a encenação havia ocorrido normalmente, com ingressos esgotados.
A proibição partiu de uma liminar expedida pelo juiz Benício Mascarenhas Neto, da 11ª Vara Cível Comercial de Salvador. A liminar, expedida contra a Fundação Gregório de Matos, responsável pelo Espaço Cultural Barroquinha, alega que a peça atenta contra a dignidade da fé cristã/católica e contra todos que acreditam em Cristo como filho de Deus, além de expor ao ridículo símbolos nacionais, como a cruz.
“Não temos muitos detalhes do ocorrido, sabemos que o deputado estadual Pastor Sargento Isidório [PDT] entrou com a ação inicial, depois o MBL [Movimento Brasil Livre] entrou com várias pequenas ações e mobilizou mais pessoas, então um juiz aceitou a ação”, contou a atriz Renata Carvalho.
Apesar dos esforços para impedir a apresentação, a peça foi encenada no Goethe-Institut Brasilien, instituto alemão em Salvador. “O público ficou muito chateado com o ocorrido, mas aceitou trocar de lugar. Eles foram em peso e conseguimos lotar o novo teatro. Foi a primeira vez que eu entrei ao palco já recebendo aplausos. Foi bem bonito, bem catártico”, contou a atriz.
A peça já havia sido vítima de três pedidos de censura judicial em setembro, sendo que uma delas foi acatada pelo juiz Luiz Antonio de Campos Júnior, da 1ª Vara da Comarca de Jundiaí (SP), que impediu a encenação de ocorrer no Sesc da cidade.
Repercussão
Para a diretora-executiva da ONG Artigo 19, Paula Martins, contatada pela Ponte, a notícia de “mais um caso de censura à arte” foi “recebida com perplexidade”. “Essa liminar resulta em danos irreversíveis ao Estado de direito em nosso país”, afirma. Para a diretora da ONG, voltada para a defesa da liberdade de expressão, a censura judicial não viola apenas os direitos daqueles que tiveram seu espetáculo censurado, mas os direitos de toda a sociedade, que teve restringido seu acesso à peça. Com isso, o Judiciário estaria sendo colocado no papel equivocado de determinador autoritário do que seriam os supostos valores morais da sociedade. “A imensidão dos que não se veem representados por essa liminar deveria servir de alerta para os rumos inaceitáveis da intolerância e conservadorismo que observamos na atualidade”, afirma.
O criador e organizador da Casa 1, centro cultural e de acolhimento de LGBTs em situação de risco, Iran Giusti, acredita que quem mais perde com as censuras é a sociedade, uma vez que os movimentos artísticos e LGBT sempre viveram à margem do sistema e mesmo assim resistiram. “A sociedade deixa de ter acesso aos diálogos, debates e às estruturas que poderiam ressignificar esse sistema tóxico que a gente vive”, diz.
Em cartaz
Na segunda-feira (30), a peça retorna a São Paulo, dessa vez no Teatro Viga (R. Capote Valente, 1323, Pinheiros), e fica em cartaz até o 15 de novembro, com encenações às segundas, terças e quartas, sempre às 21h. O espaço destina 5 ingressos gratuitos para pessoas trans por sessão.
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Fonte: Ponte.