Por Francisco Fernandes Ladeira.
Quando se fala em bolsonarismo, a maioria das pessoas se lembra do slogan “conservador nos costumes”. De fato, as pautas morais são bastante utilizadas por este movimento, seja para divulgação de fake news, seja em campanhas eleitorais (procurando associar a esquerda à uma suposta intenção de acabar com os valores da “tradicional família cristã”).
No entanto, muitos se esquecem da outra parte do slogan citado acima: “liberal na economia”. Embora parte da esquerda ainda tente combater o bolsonarismo no campo dos costumes (empreitada geralmente malsucedida), o viés neoliberal é a face mais importante deste movimento de extrema direita.
Inclusive, Jair Bolsonaro só obteve o apoio dos grandes capitalistas e, consequentemente, pôde chegar à presidência da República, por ter se comprometido a adotar a agenda neoliberal, e não por seu suposto moralismo (mais retórico do que prático). Basta lembrarmos do “Posto Ipiranga” Paulo Guedes, o avalista de Bolsonaro junto ao mercado.
Conforme a história nos mostra, movimentos de direcionamento fascista (como o bolsonarismo) não se opõem ao sistema capitalista; são apenas suas faces mais radicalizadas. Um exemplo emblemático (e que tem dominado o debate público) é a PEC 3/22, relatada pelo senador Flávio Bolsonaro, que transfere a propriedade dos terrenos do litoral brasileiro do domínio da Marinha para estados, municípios e proprietários privados. Caso aprovada tal proposta, isso significa, na prática, um caminho aberto para a privatização das praias (uma das últimas fronteiras cobiçadas pelo grande capital).
Desse modo, a chamada “PEC das praias” só confirma o que o bolsonarismo realmente é: um movimento para defender os interesses dos ricos. É nesse campo que devemos combatê-lo. De fato, o conservadorismo da extrema direita também merece nossa repulsa, mas a luta política recente nos mostra que campanhas como o “Movimento Ele Não” são fadadas ao fracasso. É jogar contra o inimigo no campo do adversário.
Por outro lado, na campanha presidencial de 2022, quando o então candidato Lula disse que o brasileiro queria voltar a “tomar uma cervejinha e comer picanha” foi direto ao ponto. A maioria da população brasileira é pobre. Pensa, primordialmente, na sobrevivência diária. Está preocupada com questões materiais, se vai ter emprego, renda, saúde pública, transporte de qualidade e escola para os filhos.
Assim, Lula explicou para o povão, metafórica e didaticamente, o que estava em jogo naquele pleito. De um lado, o projeto petista de inclusão social. De outro lado, Jair Bolsonaro e seu projeto neoliberal, de privatizações, desmonte do Estado e dos serviços públicos.
Portanto, a campanha contra a “PEC das praias” é uma excelente oportunidade para combatermos o bolsonarismo, desmascarar esse movimento, e demonstrar seu caráter elitista. Ou seja, atacar o inimigo no campo onde se sente desconfortável (pois não têm nada a propor para a população, além da verborragia extremista). Caso contrário, se concentrarmos as discussões na pauta dos costumes, estaremos, novamente, dando mais combustível para o adversário.
Francisco Fernandes Ladeira é Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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