É um crime que ensombra a República Democrática do Congo desde 1961 – o assassinato de Patrice Lumumba, o primeiro chefe de Governo do Congo independente. Até hoje, ninguém foi punido.
Ali está ele. De mão erguida, saudando os transeuntes, de fato e com os seus óculos típicos. Uns mais tarde, outros mais cedo, toda a gente passa pela estátua de Patrice Lumumba em Kinshasa, na avenida que conduz ao aeroporto. Lumumba chefiou o primeiro Governo eleito livremente na República Democrática do Congo, após a independência da Bélgica. Mas esteve apenas quatro meses no poder. Aos 34 anos, foi afastado do cargo e assassinado.
O inconformado
O que aconteceu no dia da proclamação da independência, 30 de junho de 1960, prenunciava já talvez o desfecho do jovem primeiro-ministro. Durante as celebrações oficiais, Lumumba denunciou publicamente as práticas racistas dos colonizadores. Os congoleses rejubilaram, não só os que participavam na cerimónia mas também aqueles que ouviam o discurso em casa, através do rádio. Mas o rei belga e os diplomatas estrangeiros ficaram chocados.
Os objetivos políticos de Lumumba não condiziam com os planos dos poderes ocidentais: O jovem político queria libertar o Congo dos grilhões coloniais. Queria unir os grupos étnicos e advogava a gestão local das riquezas naturais do país. A Bélgica e os Estados Unidos começaram a sentir a sua influência declinar.
“Por isso é que decidiram acabar com o Governo e, finalmente, com o próprio primeiro-ministro”, diz o sociólogo belga Ludo de Witte, que estuda o Congo há mais de 20 anos e aborda meticulosamente a queda de Lumumba num livro.
Caos e influência externa
Depois das palavras de Lumumba, a jovem república mergulhou no caos. O exército congolês revoltou-se contra os oficiais belgas que ainda estavam a comandar. A Bélgica interveio militarmente e apoiou a secessão da região de Katanga, rica em minérios, do resto do país. A crise despoletou uma guerra civil, Lumumba enviou as suas próprias tropas. O jovem primeiro-ministro pediu ajuda às tropas das Nações Unidas e à União Soviética. Em plena Guerra Fria, os Estados Unidos da América pressentiram uma viragem comunista no Congo. Temiam que Moscovo aumentasse a sua influência no país e, por arrastamento, em África. Norte-americanos e belgas aliaram-se, por isso, ao então chefe do exército Joseph-Desiré Mobutu, um ex-amigo e confidente de Lumumba e o ditador que, mais tarde, governaria o Congo durante mais de 30 anos.
A partir desse momento, tudo se desenrolou muito rapidamente. Em setembro, Lumumba foi destituído do cargo de primeiro-ministro e colocado em prisão domiciliária. Em novembro, conseguiu escapar, mas foi depois capturado pelas tropas de Mobutu, que o espancaram e torturaram.
“As pessoas amavam Lumumba. Os seus apoiantes queriam libertá-lo”, explica de Witte. “Isso teria sido um desastre para a Bélgica e para os Estados Unidos. Por isso, decidiram que ele deveria ser morto no dia em que chegou a Katanga. Foi executado por um pelotão organizado por oficiais belgas.”
Lumumba foi morto a 17 de janeiro de 1961.
Verdade só mais tarde
A explicação oficial para a morte de Patrice Lumumba foi a de que ele teria sido assassinado por moradores de uma vila em fúria. A verdade sobre o papel das potências ocidentais só viria a público mais tarde.
O livro de de Witte, “O Assassinato de Lumumba”, levou a Bélgica a criar, em 2000, uma comissão parlamentar de inquérito. Dois anos mais tarde, o ministro belga dos Negócios Estrangeiros, Louis Michel, pediu desculpas à família e ao povo congolês pelo papel dos oficiais de Bruxelas no assassinato.
De Witte não está satisfeito com este pedido de desculpas. “A comissão de inquérito belga concluiu que a Bélgica teve uma responsabilidade moral no assassinato de Lumumba, algo muito vago. Fica a meio caminho entre negar o que aconteceu e publicar toda a verdade.” A Bélgica quer continuar a desfrutar da sua posição diplomática no Congo, comenta o especialista. Se o país tivesse assumido todas as responsabilidades isso não seria possível. Além disso, as propostas da comissão de inquérito, tais como o estabelecimento de um fundo em nome de Lumumba para promover a democracia no Congo, ainda não foram implementadas, acrescenta de Witte. Até agora, ninguém foi punido pelo assassinato.
O ‘Che Guevara’ do Congo?
A morte de Lumumba abriu caminho para Mobutu: “O país lida até hoje com o legado desse regime”, diz de Witte. A jornalista britânica Michela Wrong, autora de um livro sobre o ditador congolês, considera que o caso Lumumba deixou marcas profundas no Congo e em todo o continente africano.
“Todos olharam para o assassinato de Lumumba e pensaram: ‘É isto que acontece quando se confronta o Ocidente'”, afirma Wrong. “Ao mesmo tempo gerou uma sensação de impotência. É um legado muito negativo e prejudicial.”
Enfrentar os Estados Unidos da América e os antigos colonizadores, em defesa dos interesses do seu país, conferiu a Lumumba a reputação de um herói popular, um ‘Che Guevara’ do Congo. A jornalista Michela Wrong acredita, no entanto, que esta pode ser uma visão exagerada: “Será que teria sido um herói se tivesse ficado mais tempo e fosse confrontado com os problemas de governar um país tão grande como o Congo?”
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Fonte: DW.