Por Igor Carvalho.
O pastor Ricardo Lopes Dias pode ser nomeado para assumir a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) da Fundação Nacional do Índio (Funai). O nome do missionário já aparece no Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (SINC) e no Sistema de Informações Organizacionais do Governo Federal (Siorg), pré-requisitos para nomeação a cargos públicos em esfera nacional.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Dias confirmou o convite feito pelo delegado Marcelo Augusto Xavier, presidente da Funai. “Eu fui convidado e entrevistado. Tem muita informação que está mal dada, o pessoal está levando para o lado religioso. Até porque, ainda não recebi a notificação oficial da Funai”, diz o pastor.
A nomeação do pastor é possível desde a última quinta-feira (30), quando o presidente da Funai, mudou o regimento interno do órgão para derrubar a obrigatoriedade de indicar servidores de carreira para o cargo. “É uma pasta interessante para mim, que tenho uma experiência com indígenas e que posso desenvolver melhor, para tomar maior conhecimento da população (indígena) a nível maior, nacional, porque eu trabalhei com apenas uma população (Matses)”, afirma Dias.
A coordenadoria-geral da CGIIRC é ocupada pela indigenista Paula Pires desde o dia 4 de outubro, de 2019, quando Bruno Pereira, servidor de carreira da Funai, foi exonerado depois de 14 meses chefiando a pasta.
Antes de ser demitido, Pereira atuou para desmantelar a atividade garimpeira ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, o que desagradou ruralistas, que pressionaram o governo pela exoneração do indigenista.
Evangelização de indígenas
Caso seja confirmada, a chegada do pastor Ricardo Lopes Dias para ocupar a chefia da CGIIRC concretizará um desejo do governo de Jair Bolsonaro, que é intensificar o trabalho de evangelização de indígenas, bandeira de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Dias atua na região amazônica desde agosto de 1997, com o intuito de evangelizar os povos originários da região. A experiência é narrada em sua dissertação As ‘traduções’ Matses do contato histórico com missionárias do Summer Innstitute of Linguistics – SIL, apresentada na Universidade de São Paulo (USP) em 2015.
No texto, o missionário e antropólogo fala da decisão que tomou para a vida ainda na juventude. “Após ouvir um missionário veterano expondo a necessidade de novos voluntários para o trabalho evangelístico de indígenas, decidi empenhar-me especialmente nessa causa”. Em 1992, passou a frequentar o curso “Missão Novas Tribos do Brasil”, que tem duração de cinco anos. “Estudando nos três primeiros anos Teologia (no Instituto Bíblico Peniel, em Jacutinga/MG), um ano de missiologia e treinamento missionário (no Instituto Missionário Shekinah, em Nova Alvorada do Sul/MS) e um ano de capacitação em linguística (no Instituto Linguístico Ebenézer, em Vianópolis/GO)”, conta o pastor em sua dissertação.
Em outro trecho, Dias narra sua chegada a Palmeiras do Javari, onde a Funai mantém uma importante base para proteção de índios isolados. “Até então, o alvo era desenvolver um programa de evangelização dos Matses no Brasil, o que resultaria de um trabalho demorado, meticuloso e sofrível que envolveria jornadas de estudos para aquisição do idioma Matses, coleta de material cultural para análise, e progressivamente, uma elaboração de material linguístico, didático, informativo e religioso.”
Nos agradecimentos de sua dissertação, o pastor faz especial menção “às igrejas que me proporcionaram a ida e a permanência no Amazonas, apoiando tanto a mim e minha família como também a eventuais projetos com os Matses.” Dias é membro da Igreja Batista Fundamentalista Cristo é Vida, de Fortaleza, no Ceará.
“Se eles entram, acabou tudo”
Um servidor de carreira da Funai, que pediu para não ser identificado, falou sobre a preocupação dos indigenistas com a nomeação do pastor Ricardo Lopes Dias. “Travamos uma guerra contra esses caras tem uns 30 anos. Querem, de todas as formas, levar a bíblia para os indígenas. Se eles entrarem, acabou tudo”, lamenta.
Questionada sobre a nomeação de Ricardo Lopes Dias e o receio de indigenistas com a evangelização dos indígenas, a Funai respondeu. “Uma nomeação só é válida a partir de publicação de portaria no Diário Oficial, posse e exercício do nomeado. A Funai não se pronunciará quanto a supostas indicações. Cabe salientar que o cargo é de livre nomeação por parte do gestor e sua ocupação sempre deverá atender aos critérios exigidos pelo Decreto nº 9.727, de 15 de março de 2019.”
Edição: Leandro Melito.
OS INTERESSES ECONÔMICOS QUE ESTÃO EM JOGO NO MERCADO DE “EVANGELIZAÇÃO” DOS INDÍGENAS:
“É por causa disso que perdemos muito dos nossos traços, da nossa religião e das nossas tradições. Porque, quando índios são evangelizados, eles perdem tudo isso porque a igreja não permite”, reforça.
Os Pankará lutam pela demarcação de terras há 15 anos. A manutenção da cultura indígena viva é justamente um forte fator para aquisição, demarcação e proteção de seu território. Parte da área está debaixo d’água, foi inundada para a construção da Barragem de Itaparica/Luiz Gonzaga, em Petrolândia, em 1988”.
http://marcozero.org/indigenas-reagem-a-acao-de-evangelicos-da-igreja-de-silas-malafaia-em-aldeia-pankara/?fbclid=IwAR2jwJuB5QevRkpP69XKYdWelR0Q9r3ppI3nQNspL2Q3vONka0UP9LDeBW0