Por Douglas F. Kovaleski para Desacato. info.
No texto da semana, pretendo abrir um debate sobre participação social como ferramenta de contenção e controle da pandemia. As medidas de “isolamento social” orientadas pelos agentes estatais brasileiros têm sido um tremendo fracasso, justo no momento em que se tornam mais necessárias. Há uma percepção geral no país de que a paciência das pessoas acabou e que a covid-19 não é real, até o momento em que alguém muito próximo se contamina e então inicia a luta, essa sim isolada, pois depois de um familiar ser internado, ninguém mais pode vê-lo. Ou recupera-se, ou nunca mais será visto.
A baixa adesão às medidas de isolamento no Brasil não pode ser banalizada, elas dizem muito sobre a representação que as pessoas têm sobre a vida, sobre a própria vida e sobre a vida dos integrantes da comunidade. Sobre a morte e sobre seu papel na COMUNIDADE. O individualismo, sabidamente é marca da sociedade atual, imersa num turbilhão de competitividade, concorrência e finalmente ódio, como cicatrizes indeléveis da estrutura capitalista no seio da sociedade. Mas o individualismo, até a pandemia, era mais sutil na destruição das comunidades e nas vidas das pessoas. Tornou-se aterrador, vociferante, digno de pavor.
O sentimento de comunidade está muito enfraquecido no país e minha hipótese é que isso decorre da falta de representatividade que elas têm no Estado e por isso, dentre outros fatores, é que temos o quadro da pandemia tão descontrolado. O que vale para o Brasil e para o EUA. Dois ícones do neoliberalismo como modo de vida, um como referência, o outro como cópia, ambos vítimas da própria política.
Os pastores, pais-de -santo, médicos inconsequentes, apresentadores de programas de TV e youtubers, são mais ouvidos do que os governantes. Vivemos no Brasil, uma crise de representatividade que é consequência da crise de democracia no país. Nem direita, nem esquerda se percebem no Estado. Nem o centro, nem o pobre, nem o rico, nem o funcionário público, nem o micro ou grande empresário se sentem representados ou protegidos ou satisfeitos com os serviços, com a carga tributária ou com a histórica violência do Estado brasileiro contra o seu povo. O clientelismo coloca o poder real nas mãos de alguns poucos burgueses ou suas corporações. Com uma também histórica alta taxa de analfabetismo e baixa escolaridade, coloridas por abissais desigualdades sociais, o Brasil conforma o cenário perfeito para uma hecatombe humana.
Com base nessa dura e lamentável caracterização do país, é preciso ficar claro que precisamos reagir. E a reação depende da organização da sociedade civil, seja por movimentos sociais, por associações, seja pela via institucional ou por fora dela.
Nesse contexto, é denunciar a falta de diálogo que os governantes país afora tem estabelecido com as comunidades, com os conselhos gestores e com os movimentos sociais na tomada de decisões. Em nome da condição de “emergência de saúde”, os poderes executivos, em cada esfera de gestão, desfecham medidas extemporâneas e pouco fundamentadas cientificamente. Enquanto isso, a população fica jogada ao sabor da incompetência dos partidos de direita no poder, com informações contraditórias, falta de ação ou total desinteresse pelas vidas das pessoas, afinal, para o capitalismo em sua fase de forte desemprego, vidas de trabalhadores não importam.
Assista:
http://desacato.info/2020/07/30/participacao-social-em-tempos-de-pandemia/
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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