Parlamentares cobram respostas sobre casos de censura no Carnaval de Pernambuco

Artistas denunciaram haver sofrido censura ao cantarem música de Chico Science; deputada ameaçou bloco em Olinda

Por Vinícius Sobreira

Cannibal, vocalista da banda Devotos, foi um dos que sofreu ameaça de censura da PM após interpretar “Banditismo por uma questão de classe” – Marcos Barbosa/Brasil de Fato PE

Na quarta-feira (27) de cinzas, os meios de comunicação de Pernambuco revelaram denúncias feitas por artistas que dizem ter sofrido censura durante suas apresentações musicais. Segundo declaram, a música “Banditismo por uma questão de classe”, de Chico Science e Nação Zumbi, foi o que teria irritado a Polícia Militar. Já em Olinda, um bloco feminista foi impedido de circular após ação movida por deputada bolsonarista.

Na segunda-feira (25) de carnaval, durante show na casa Apolo 17, Recife Antigo, a banda recifense Janete saiu para Beber fazia um tributo a Sheik Tosado, Chico Science e Nação Zumbi, mas teve seu show interrompido pela Polícia Militar, que  – diz a banda  – teria ameaçado prender o vocalista sob o argumento de que “não pode tocar Chico Science”. Isso aconteceu quando a banda tocava “Banditismo por uma questão de classe”, de Nação Zumbi.

No dia seguinte, a banda Devotos também cantou a música, num palco oficial da Prefeitura do Recife no bairro da Várzea. Segundo a banda, a PM também teria comunicado à produção que encerraria o show se aquelas músicas continuassem. O cantor China também reclamou do comportamento dos militares, que teriam tentado encerrar seu show antes do fim, no polo da Lagoa do Araçá, bairro da Imbiribeira. O compositor e cantor paraibano Chico César emitiu nota em apoio aos artistas.

A música “Banditismo por uma questão de classe”, do disco Da Lama ao Caos (1994), apresenta os personagens Galeguinho do Coque e Biu do Olho Verde. Ambos, diz a música, seriam perseguidos pela Polícia Militar. “Acontece hoje e acontecia no sertão, quando um bando de macaco perseguia Lampião. E o que ele falava, muitos hoje ainda falam: ‘eu carrego comigo coragem, dinheiro e bala!’. Em cada morro uma história diferente que a polícia mata gente inocente”, diz a letra da música.

Em nota curta, a deputada federal e pré-candidata do PT à Prefeitura do Recife, Marília Arraes, se solidarizou aos artistas censurados. “Chico levou a cultura de Pernambuco para o mundo e continua inspirando milhares de jovens de periferia das cidades brasileiras, principalmente do Recife. Os envolvidos nesta intimidação às bandas precisam ser responsabilizados”, disse a deputada.

Nesta segunda-feira (2) o deputado federal e também pré-candidato ao Executivo da capital pernambucana, Túlio Gadêlha (PDT), entrou com pedido de informação junto ao Ministério Público (MPPE) e na corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS, responsável pela PM). Os documentos questionavam se os órgãos tomariam alguma medida diante das reclamações dos artistas sobre intimidação e tentativa de censura.

“Diante de possível afronta aos valores democráticos, aos direitos humanos e ao respeito à cultura regional, queremos saber quais providências serão tomadas para apurar estes fatos que mancham a imagem de um Carnaval plural e democrático, como o nosso”, diz o parlamentar, que também é vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

O pré-candidato do PSB à prefeitura do Recife, João Campos, ainda não se posicionou sobre o tema. O prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB) e o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), também não se posicionaram. Os candidatos alinhados com o bolsonarismo no Recife, que buscam alinhar o discurso com o predominante na Polícia Militar, também ignoraram totalmente o ocorrido.

PM nega interferência

Procurada pelo Brasil de Fato Pernambuco, a Assessoria de Imprensa da PMPE informou, por meio de nota, “que não adotou, em nenhum momento, ação visando censurar ou coibir a liberdade de expressão de três bandas incluídas na programação do Carnaval 2020 do Recife” e que os três shows em questão transcorreram até o final, sem interferência policial.

Ainda na nota, a PM declarou que, “mesmo não tendo recebido denúncia por parte de bandas e artistas, a Corregedoria Geral da SDS realizou um levantamento sobre os relatos veiculados na imprensa e redes sociais”. Segundo o documento, um relatório está sendo elaborado e, caso haja elementos suficientes, poderá ser instaurada uma investigação preliminar.

Deputada ameaça bloco em Olinda

Na cidade de Olinda, a iniciativa não partiu da PM, mas de uma deputada estadual. Clarissa Tércio (PSC), alinhada com o bolsonarismo no estado, divulgou que teria protocolado um pedido para que a Polícia Militar estivesse presente no desfile do bloco Vaca Profana. A parlamentar pediu a polícia “não permita atos obscenos” e coíba “abusos e excessos”.

No referido bloco muitas mulheres saem de seios à mostra, defendendo que a mulher faça o que quiser com seu corpo. Em resposta, as organizadoras solcitaram à SDS a presença de policiais femininas para garantirem a segurança. Mas, no dia do desfile, a PM não apareceu para protegê-las ou censurá-las.

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