Por Amanda Lourenço.
Eles acabam se aglomerando debaixo de pontes e dormindo em barracas doadas por associações; grupo expulso de acampamento foi para escola desativada
“Temos uma esquerda que merece um gancho de direita (On a une gauche qui mérite des droites)”. A pichação aparece em letras grandes na quadra da antiga escola Jean-Quarré, no norte de Paris, atualmente transformada em alojamento. A frase é uma alfinetada na política de imigração do governo François Hollande, do Partido Socialista, que, além de rejeitar 77% dos pedidos de asilo, não consegue encontrar uma solução para acolher, ainda que provisoriamente, os refugiados que chegam ao país. A saída é ocupar sem autorização locais vazios, como é o caso da escola.
A Europa vem registrando neste ano de 2015 números recordes de entrada de imigrantes originários de países como Afeganistão, Sudão, Eritreia ou Síria. Fala-se na maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial. Segundo a agência Frontex, apenas no mês de julho, cerca de 107 mil refugiados entraram na Europa, três vezes mais do que o mesmo período no ano passado.
Enquanto as decisões políticas sobre imigração se arrastam em encontros infrutíferos entre líderes de Estados, os números de refugiados nas cidades europeias vão aumentando, sem que haja uma política de acolhimento eficaz. Apesar de a França não ser o destino final da maioria dos migrantes, que prefere tentar a sorte na Alemanha, na Inglaterra ou mesmo na Suécia, ela é um ponto de trânsito importante e precisa amparar um grande número de pessoas de passagem.
Sem opção, os refugiados acabam se aglomerando debaixo de pontes e dormindo em barracas doadas por associações, formando enormes acampamentos, como o de Austerlitz, que abriga atualmente cerca de 300 pessoas. No início de junho, outro acampamento de aproximadamente 400 pessoas no boulevard de la Chapelle, norte da capital, foi evacuado. Desde então, operações similares recolheram 1.300 refugiados em centros de alojamento de urgência, onde podem ficar até um mês.
A escola desativada Jean-Quarré foi ocupada principalmente por parte destes imigrantes evacuados e hoje acolhe mais de 250 pessoas. Brian, originário do Sudão, dorme há dez dias na escola. “Da última vez, passei duas semanas viajando para chegar aqui. Passei por vários países, mas quero ficar na França mesmo. Amanhã vou iniciar meu processo de demanda de asilo”, disse.
Ocupação formalizada
A princípio ilegal, a ocupação da escola Jean-Quarré foi formalizada pela prefeitura, que pretende fazer algumas reformas e transformar o lugar em mais um centro de alojamento de urgência. Até o momento, porém, a organização é feita pelos próprios moradores, que se revezam na limpeza e na cozinha, sem qualquer intervenção do Estado, contando apenas com a ajuda de alguns voluntários que levam comida e roupas. “Às vezes esse esquema funciona super bem e fica todo mundo satisfeito. Mas, às vezes, quando fica gente sem comer, por exemplo, a gente pensa que seria bom ter alguém organizando melhor as coisas”, opina Marguerite Dauvois, voluntária.
Dauvois, assim como a maior parte dos voluntários, não faz parte de nenhuma associação, são apenas vizinhos e pessoas preocupadas com a situação dos refugiados. “Eu vi quando a polícia evacuou o acampamento de la Chapelle e fiquei horrorizada com a violência. Deu vontade de lembrar aos policiais que essas pessoas estão pedindo asilo, que elas precisam de ajuda e não podem ser tratadas daquela forma. Desde então passei a acompanhar os refugiados de perto”, conta.
Não há muitas mulheres presentes, pois elas são prioritárias na busca de um melhor alojamento e o governo francês acaba encontrando uma solução em poucos dias. É o que espera Nadia Kyungu e seus quatro filhos menores de seis anos. A família passou uma noite na escola e agora aguarda por uma solução permanente. Originária da República Democrática do Congo, ela conta que teve que ir embora de seu país por razões políticas. “Faço parte do partido de oposição e o governo nos acusa de desestabilizar a ordem. Como estávamos sendo perseguidos, o partido organizou nossa saída, mas eu nem sabia muito bem para onde estava indo. Meu marido ficou, mas teve que deixar a capital e ir para o campo”, diz.
Para as pessoas que, como Kyungu, pretendem ficar na França, os voluntários oferecem curso de francês. Quase nenhum refugiado fala a língua local e a maior parte domina o inglês, mas a língua oficial entre eles é o árabe, que também é usado em quadros de aviso e planilhas de limpeza. Há diversas turmas de francês, geralmente no fim do dia depois do trabalho dos voluntários. Uma das professoras conta que está há dois meses com os mesmos alunos: “Agora já consigo falar apenas francês em sala de aula, é um excelente progresso”.
É praticamente impossível saber o número exato de refugiados na França, até porque muitos estão apenas de passagem para outros países. Mas é certo que este número vem aumentando e outros alojamentos precisarão ser abertos em breve. A prefeitura está estudando locais desocupados na cidade que poderão servir de abrigos de emergência e comitês diretivos fazem relatórios semanais sobre a situação dos refugiados.
Fotos: Amanda Lourenço/Opera Mundi
Fonte : Opera Mundi