No último dia 30 de janeiro, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, vetou por completo, um projeto de lei que restringia, em âmbito estadual, a publicidade no rádio e na TV de alimentos pouco nutritivos.
O PL 193/2008, de autoria do deputado estadual Rui Falcão havia sido aprovado em dezembro de 2012 pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e proibiria “a publicidade, dirigida a crianças, de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio”. Essa limitação seria válida para a programação de rádio e TV entre as 6h00 e as 21h00 e, em qualquer horário, nas escolas. O PL também impedia a participação de “celebridades e personagens infantis na comercialização, bem como a inclusão de brindes promocionais, brinquedos ou itens colecionáveis associados à compra do produto”.
A justificativa para o veto foi publicada no Diário Oficial do Estado. Nela, o governador Alckmin alega que legislar sobre publicidade infantil é “competência privativa da União, conforme previsto na Constituição Federal”. Na mesma justificativa, Alckmin argumentou que “a lei federal deve estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defender da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde”.
A imprensa publicou opiniões, destacando a sensatez da medida. De fato, parece sensato. Mas não é.
Sensato seria o governador reconhecer o problema da influência da publicidade na obesidade infantil e usar do poder que tem para avançar na solução desse problema. O governador Alckmin fez menos do que pode.
Reconhecendo o problema
De fato, uma pesquisa do Datafolha feita em 2010 mostrou que 73% dos pais são favoráveis a algum tipo de restrição na publicidade dirigida às crianças. Os pais afirmaram que as crianças costumam ser influenciadas pela publicidade e pedir muitas coisas, como balas, chocolates, bolachas e sorvetes. Quase 70% dos pais admitiram ser influenciados pelos pedidos dos filhos.
Por isso, o Instituto Alana, uma entidade sem fins lucrativos dedicada à promoção do bem-estar infantil, vem mobilizando amplos setores da sociedade pela regulação da publicidade de alimentos não saudáveis. E contou, inclusive, com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e da Organização Mundial de Saúde (OMS) para fazer com que o PL vetado fosse sancionado pelo governo de São Paulo. Representante de ambas as entidades citadas, Joaquim Molina encaminhou uma carta ao governador Alckmin listando uma série de dados a respeito da epidemia de obesidade infantil no continente americano – inclusive no Brasil – e mostrando que a publicidade exerce poder de influência no hábito alimentar das crianças, como, aliás, comprovou a pesquisa do Datafolha.
Molina também ressaltou que a sanção de Alckmin ao PL seria uma forma de o governo paulista proteger e efetivar os direitos das crianças e combater a obesidade infantil no Estado de São Paulo.
No Brasil, segundo o IBGE, uma em cada três crianças com idade entre 5 e 9 anos estão com peso acima do recomendado pela OMS. O índice de jovens de 10 a 19 anos com excesso de peso passou de 3,7%, em 1970, para 21,7%, em 2009.
Entre os paulistanos, pesquisa do Hospital das Clínicas (HC) e do Instituto do Coração (Incor), realizada no final de 2012, em estações de metrô, com usuários de todas as faixas etárias, mostrou que 66,4% estão acima do peso.
É preciso, portanto, fazer algo para mudar essa realidade.
E o próprio governador já adotou medidas importantes para prevenir e combater a obesidade infantil. Como exemplo, vale citar o lançamento do programa Alimentação Saudável na rede de ensino básico, que melhora a qualidade da merenda escolar. Mas é possível ir além, adotando várias medidas, tais como:
? Sancionar o PL 1096/2011, de autoria do deputado estadual Alex Manente, aprovado no fim do ano passado pela Assembleia Legislativa do Estado. Esse PL proíbe a venda de alimentos acompanhados de brindes ou brinquedos em todo o Estado de São Paulo. Na proposição, o parlamentar argumenta que a obesidade infantil é um problema de saúde pública no país e que o fato de o alimento estar acompanhado por brinquedo induz a criança a solicitar o lanche sem que esteja necessariamente com fome.
O projeto também conta com o apoio das organizações internacionais de saúde. Só depende do governador para entrar em vigor.
? Na oportunidade dessa sanção, o governador poderia chamar entidades representantes das agências de publicidade, como a Associação Brasileira de Anunciantes (Aba), a Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap) e o próprio Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) a fim de se comprometerem com o avanço da autorregulação para a publicidade infantil e de alimentos não nutritivos.
Novas regras adotadas pelo Conar sobre publicidade para crianças até 12 anos vão entrar em vigor a partir de 1º de março. Tais regras, todavia, dizem respeito apenas a merchandising e não dão conta de todo o problema. Por que o próprio setor não estabelece restrições quanto a horários para veicular propaganda infantil? Ou não faz campanha para desenvolver estratégias de melhoria no teor das mensagens publicitárias? Essas medidas não precisam depender de marcos regulatórios, mas de vontade política das agências e dos anunciantes. É bom lembrar que existe uma forte demanda da sociedade sobre o setor de propaganda e publicidade com respeito ao papel que exercem na formação de uma criança.
? O governador também pode usar a força política de São Paulo para ir além das restrições administrativas. Em relação ao PL vetado, conforme noticiou o jornal O Estado de S.Paulo em 30 de janeiro, esse veto não obteve unanimidade nem entre os secretários de governo. De acordo com a matéria, o secretário estadual da Saúde, Giovanni Guido Cerri, deu parecer favorável ao projeto. Outras áreas é que levantaram a questão institucional e, por isso, o governador optou pelo veto.
? Entidades do setor de publicidade e propaganda, juristas e organizações da sociedade concordam que o Brasil não tem uma legislação específica para a publicidade destinada ao público infantil e que é preciso suprir essa lacuna.
Então, por que o governador de São Paulo não usa sua força política para estimular a bancada paulista a apresentar um projeto de lei que regule a publicidade infantil? E por que não mobiliza outros governadores a fazer o mesmo com suas bancadas? Ou propor uma articulação suprapartidária, com o autor do PL vetado, para encaminhar legislação semelhante em âmbito federal?
? A indústria de alimentos, principalmente daqueles considerados não nutritivos, podem investir na melhoria nutricional desses produtos, atendendo à demanda da sociedade. Não precisam esperar pela legislação.
? O Executivo federal, por sua vez, poderia estabelecer políticas de incentivo ao consumo de alimentos de alto valor nutritivo e que não induzam à obesidade. Na Inglaterra, há subsídios maciços que tornam bem mais baratos alimentos orgânicos, frescos e de valor nutricional importante, que as grandes cadeias de supermercado compram de produtores próximos às cidades onde se localizam as lojas.
Se a ideia da presidente Dilma Rousseff é desonerar de impostos a cesta básica, por que não mudar a composição dela, incentivando a produção e o consumo de verduras, frutas, ovos e laticínios mais saudáveis?
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos.
Fonte: http://www3.ethos.org.br/cedoc/parece-sensato-mas-nao-e/