Os cidadãos que se reuniram na Praça de Armas de Assunção, em frente ao Congresso Nacional, na noite de sexta-feira (25/05), para protestar contra uma lei criada pelos deputados que destina fundos do orçamento para pagar salários de operadores políticos, esperavam encontrar poucos manifestantes, mas se surpreenderam ao ver o local ocupado por mais de 5 mil pessoas indignadas.
“Essa manifestação não reunirá mais que quatro gatos pingados”, anunciou ironicamente, horas antes do evento, o deputado Magdaleno Silva, do Partido Colorado, um dos legisladores que defendeu publicamente seu “direito” de dispor de verba pública para “dar trabalho aos amigos”.
Mas a realidade surpreendeu a todos. Até mesmo o músico Emilio García e o estudante Maximiliano Urbieta, que lançaram os primeiros convites para a manifestação através de suas contas de Twitter e Facebook, para o ato contra “a roubalheira dos deputados” que denominaram “After Office Revolucionário” (para que as pessoas fossem à praça após a saída do trabalho, às 18h), se mostraram assustados pela massiva resposta.
Uma heterogênea multidão fez transbordar a praça. Cidadãos de todas as idades e classes sociais, de crianças e adolescentes até adultos e idosos, passando por secretárias, administrativos, estudantes, artistas, donas de casa, celebridades e ativistas sociais, mas principalmente cidadãos comuns, demonstravam sua fúria contra os “depuchorros” (deputados ladrões), pintavam cartazes, desenhavam mensagens satíricas.
“Eu vim para cá com temor. Havia muito desencanto, ceticismo e passividade da cidadania diante dos abusos. Não esperávamos que tanta gente viesse se manifestar, e os políticos contavam com isso para atuar com impunidade. Mas acabou a paciência. O que aconteceu foi maravilhoso. É como se o Paraguai estivesse outra vez despertando, como em 1999, durante o levante cidadão conhecido como Março Paraguaio, quando assassinaram o então vice-presidente (Luis María Argaña) e a população foi às ruas para derrubar o governo (do presidente Raúl Cubas, deposto no dia 28 de março de 1999)”, disse Gloria Martínez, estudante universitária de psicologia.
A lei que causou tanta indignação popular foi aprova pelo Congresso paraguaio em dezembro de 2011, e previa uma ampliação no orçamento público, que destinaria 215 bilhões de guaranis (R$ 99,8 milhões) à Justiça Eleitoral, para pagar salários de operadores dos principais partidos políticos com representação parlamentária, supostamente contratados para inscrever novos cidadãos ao padrão eleitoral, embora todos saibam que o dinheiro é utilizado para comprar favores políticos.
No último dia 9 de maio, o presidente Fernando Lugo aplicou o veto constitucional para rechaçar a lei, alegando que além de ser imoral, não havia dinheiro nos cofres públicos para pagar tais salários. Mas a lei retornou à Câmara dos Deputados, onde, apesar de todas as críticas, foi novamente aprovada, eliminando uma parte destinada à inscrição de paraguaios residentes no exterior, mas deixando 150 bilhões de guaranis (pouco menos de R$ 68 milhões) para os operadores políticos.
Foi o estopim da ira popular. A praça central da capital foi dominada por cidadãos indignados, desencadeando uma reação de repúdio contra a classe política, como não se havia visto em muitos anos no país. A maioria dos deputados acusados e dirigentes de partidos saiu de cena, e os celulares foram apagados, para não ter que responder aos meios de comunicação, que queriam declarações sobre os protestos. “É uma situação nova é visível o receio dos políticos, porque se encontram diante de uma forma de mobilização cidadã, dessas que derrubam governos”, definiu a cientista política Milda Rivarola.
Tudo indica que o novo movimento dos indignados no Paraguai apenas começou. Já foi convocada uma nova grande manifestação, na noite da próxima quarta-feira (30/05), na mesma Praça de Armas, em frente ao Congresso – com réplicas em várias cidades do interior do país – , que foi anunciada como uma “vigília democrática” para sitiar o Congresso na véspera do dia decisivo, em que os senadores deverão votar entre respaldar o desperdício impulsado pelos deputados ou dar marcha à ré na lei.