“A mulher que é solteira, que não se casou, não tem filho, por que ela vai ter uma diferença em relação ao homem?”, questionou o deputado Arthur Maia (PPS-BA), que ainda relativizou as condições de trabalho no campo. “Tem muitos trabalhos urbanos muito mais árduos do que o do trabalhador rural”
Em declarações dadas à edição brasileira do The Huffington Post, o relator da “reforma” da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), demonstrou que vai ter trabalho para entender todas as nuances e os efeitos negativos da PEC 287. Algumas das suas “ponderações” mostram desconhecimento do tema que ele deve relatar na comissão especial que trata das mudanças propostas pelo governo.
“Essa questão das mulheres, é um debate que não tem como a gente fugir. Agora, uma coisa que tem de ser ponderada é o que falei do risco. Se você é uma mulher casada, tem filho, cumpre jornada no seu trabalho e chega em casa tem que cuidar de filho, marido etc, é um fato a ser considerado. A mulher que é solteira, que não se casou, não tem filho, por que ela vai ter uma diferença em relação ao homem?”.
Ao ser questionado sobre estudos que mostram a sobrecarga das mulheres com trabalho doméstico, o parlamentar respondeu: “Os estudos que eu vi não fazem essa diferenciação. O que o IBGE fala é que nesse caso não tem diferenciação. Suponhamos que eu seja solteiro e você solteira, trabalhamos ambos no mesmo jornal. Por que você ter uma aposentadoria diferente da minha? Chego em casa vou ter que cozinhar, lavar prato, arrumar minha cama. Você vai chegar em casa e a mesma coisa. Então por que você trabalha mais do que eu? Eu não vejo lógica nisso”.
O Previdência, Mitos e Verdades já publicou e divulgou diversas matérias e artigos a respeito da desigualdade de gênero relacionada à questão previdenciária. Esta reportagem mostra que as mulheres, mesmo ocupando mais postos no mercado de trabalho, ainda são responsáveis por cuidar das crianças, dos idosos e da casa de forma geral. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2014, 90,6% das brasileiras realizam afazeres domésticos, enquanto entre os homens o percentual fica em 51,35%. Elas dedicam em média 21,35 horas semanais ao trabalho doméstico sem remuneração e eles, menos da metade desse total, 10 horas.
“Se homem e mulher começarem a trabalhar aos 22 anos, para se aposentar aos 65, a mulher terá trabalhado 7,8 anos a mais que o homem. Hoje, a diferença de cinco anos na idade de aposentadoria responde bem, em média, às diferenças de longevidade e carga de trabalho de homens e mulheres que contribuem para a Previdência, se a gente reconhecer o trabalho reprodutivo como socialmente útil”, pondera Joana Mostafa, pesquisadora da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), à revista Época.
Bernadete Monteiro, da Marcha Mundial das Mulheres, ainda reflete nesta matéria, sobre tais dados e o que se entende como tarefas domésticas. “Quando você nota o que é considerado trabalho doméstico para os homens, muitas vezes é a jardinagem e os pequenos consertos, ou levar o filho na escolha. Os outros trabalhos continuam com as mulheres”, analisa.
Arthur Maia e a aposentadoria rural
De acordo com a matéria do Huffington Post, o relator não reconhece as diferenciações entre segmentos e categorias. “Um gari que trabalha atrás do caminhão de lixo não tem uma vida nem um pouco mais fácil do que o trabalhador rural. Tem muitos trabalhos urbanos muito mais árduos do que o do trabalhador rural.”
De novo, parece que a ideia é nivelar por baixo. Se existem determinados tipos de trabalho caracterizados por atividades penosas, insalubres ou nocivas à saúde e integridade física ou mental, vários deles já reconhecidos em lei desta forma, o correto é que o trabalhador seja compensado por condições específicas de aposentadoria. Mas a PEC 287 faz o contrário, retirando de diversas categorias essa condição.
No caso do trabalhador do campo, por exemplo, há um contexto específico quando se analisa a sua entrada no mercado de trabalho (confira infográfico a respeito aqui). Dados do IBGE/PNAD de 2015 apontam que 44,2% da população brasileira ocupada começou a trabalhar antes dos 14 anos. No entanto, nas zonas urbanas, 34% das mulheres e 45,3% dos homens começaram antes dessa idade, enquanto no campo são 70,2% da população ocupada feminina e 78,2% da masculina. A diferença é gritante.
Em uma nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de maio de 2016, os pesquisadores Alexandre Arbex Valadares e Marcelo Galiza também trazem outro ponto relevante a respeito, relativo às condições de trabalho e seus impactos na saúde. “A ‘presunção de penosidade’ da atividade rural parece confirmar-se nos dados administrativos da Previdência Social: com efeito, a idade média na concessão da aposentadoria por invalidez em 2015 para os beneficiários rurais foi cerca de 3 anos menor do que a verificada para beneficiários urbanos”, explicam.
Nesse cenário, a mulher é ainda mais prejudicada com as possíveis mudanças propostas pela PEC 287, segundo os pesquisadores. “Embora o trabalho feminino, tão engajado nas tarefas produtivas quanto o masculino, seja um vetor igualmente importante de geração de renda do domicílio rural, a dinâmica de trabalho na agricultura familiar, marcada por uma desigual divisão de poder entre homens e mulheres e pela inexistência de relação de assalariamento, tende a dificultar o reconhecimento das mulheres como ‘trabalhadoras rurais’. O fato de cerca de 80% das mulheres trabalhadoras ocupadas no rural exercerem atividades não remuneradas no âmbito da agricultura familiar oferece uma dimensão dessa dificuldade.”
“Se as mulheres urbanas trabalham essa quantidade que mencionei, 21 horas e 35 minutos por semana com trabalho doméstico, isso chega a 29 horas no mundo rural, onde essa discussão sobre divisão de trabalho às vezes nem existe, sequer está colocada. E é um trabalho árduo, debaixo do sol. No Brasil, com essas desigualdades regionais gigantescas que a gente tem, as mulheres no Nordeste, no Norte, estão sujeitas a todo tipo de adoecimento físico, e psíquico também. É verdadeiramente um massacre se formos imaginar que essas pessoas vão ser obrigadas a contribuir por mais tempo e só poder se aposentar com mais cinco anos do que é previsto na legislação de hoje”, avalia a coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (NEPEM/UFMG), Marlise Matos.
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Foto: Gilmar Felix/Câmara dos Deputados.
Fonte: Previdência Brasil.