Por Patrícia Blanco.
Votar a cada dois anos, como acontecerá no domingo (7/10), passou a fazer parte da rotina do brasileiro. O mesmo não acontece com o hábito de debater os grandes temas nacionais e o papel que o país, por força da globalização, desempenha na comunidade internacional.
De um lado, emerge o dinamismo político da sociedade que este ano irá escolher prefeitos e vereadores, entre mais de 500 mil candidatos no conjunto dos municípios, o que materializa a vontade de exercer a democracia. É um hábito que vem cristalizando e se tornou uma prática vital no exercício da cidadania.
De outro lado, se o tema é o debate político, contraditoriamente, predomina uma sociedade apática, ausente de participação e, em particular, refratária à prática de aliar o voto à presença ativa na formulação dos programas dos partidos. Assim, passa-se o bastão aos candidatos e seus correligionários para que estes apresentem ideias e planos que influenciarão em cheio a vida nas cidades, sem que o cidadão esteja no centro das decisões.
A falta de interesse reduz o debate à superficialidade de um filme B e traz à tona uma deficiência cada vez mais prejudicial ao aperfeiçoamento da democracia: a falta de disposição para exercer o contraditório. Criticam-se os políticos, mas não se usa a liberdade política para mudar a realidade.
Talvez porque a política tradicional venha perdendo espaço nas últimas décadas, ou por uma questão cultural, vivemos permanentemente numa briga de torcidas. Uma espécie de Fla-Flu, de maniqueísmo exacerbado, em que discordar não é uma arte e sim uma afronta. Como não há cultura para aceitação da crítica, busca-se incentivá-la por meio de campanhas anônimas, amplificadas pela facilidade de disseminação que a internet proporciona. Mas o alcance é tímido. Não transborda da iniciativa individual para a sociedade organizada. Apenas servem de desabafo, sem repercussão efetiva.
Convivência dos contrários
Nos anos 1980 e 90, quando a democracia voltou a vicejar, podia-se imaginar que o percurso da opinião pública seria diferente. Havia o sonho de que o Brasil seria uma sociedade ativa e atuante. O sonho ficou pela metade. Consolidou-se o sistema político de eleições, mas a participação do cidadão encontra-se distante das expectativas. Por quê? Eis uma questão ainda sem resposta.
Nesse ambiente de luzes e sombras, dizer não – que está na essência das práticas democráticas – passa a ser uma “afronta”. Às vezes as sombras se dissipam graças à participação da imprensa, mas falta perseverança participativa da sociedade. Há, digamos assim, uma fidelidade com a apatia, ironicamente quando a liberdade se expande e pode ser exercida facilmente. E não uma fidelidade com o exercício da consciência ou, no mínimo, da vontade de estar informado ou conhecer diferentes pensamentos.
Resultado: como não se sabe como lidar com essa disseminação de informação, proíbe-se. Seja por meio de ações judiciais, seja por medidas cautelares, essas ações acabam afetando diretamente a liberdade de expressão, como o que aconteceu recentemente no caso do dirigente do Google envolvendo a Justiça Eleitoral do Mato Grosso do Sul. Uma herança do antigo regime militar?
É evidente que toda ação que tenha como objetivo disseminar o ódio e a violência ou informações mentirosas ou caluniosas deve ser combatida e os responsáveis por elas, punidos pelos seus atos. Mas é preciso entender como fazer isso sem que se fira o direito fundamental da liberdade de expressão e da livre circulação de informações. E sem que o vírus da censura volte a atacar.
Censurar é inibir o debate, é apostar na força para acabar com as críticas. É eliminar o contraditório pela força da imposição, não pelo vigor da palavra e do convencimento. Foi o que aconteceu nos idos do ciclo militar. Mas esse tempo já passou. O Brasil é outro e se defronta com problemas colossais que, no caso específico das cidades, independente do porte, abarcam um vasto leque que vai da mobilidade urbana à violência.
Por que não incorporar, então, à rotina da sociedade o hábito de discutir, debater, definir posições? É rico e indispensável o casamento entre o voto e a participação. Chegou a hora de desenvolver esse hábito saudável e útil. Embora falte pouco tempo para o brasileiro ir novamente às urnas, é recomendável que comece já a exercitar o hábito de conviver com os contrários, unindo a participação ao voto. As cidades só terão a ganhar quando as urnas se abrirem. E democracia ganhará novo impulso e consistência.
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[Patricia Blanco é presidente do Instituto Palavra Aberta]
Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br
Imagem: http://andreafaggion.blogspot.com/