Por Almir Albuquerque.
Iracema era jovem e bonita em seus tempos áureos, tinha filhos saudáveis e vivia uma vida não de luxo para os padrões modernos, mas de muita abundância numa terra repleta de riquezas naturais. Não lhe faltava nada.
Até que ela conheceu Pedro, já um senhor de idade avançada, que veio de terras distantes e que tinha bastante cobiça em sua personalidade.
Pedro trouxe na bagagem uma nova religião e costumes ditos “civilizados”. Iracema, que até então vivia uma vida sem pecados, conheceu a repressão e o recato. Ambos casaram e tiveram novos filhos.
Os antigos filhos de Iracema foram renegados e colocados em segundo plano, considerados indomáveis e incultos. Sem que ela percebesse, Pedro também enviava muito de suas riquezas para a terra distante do qual provinha.
Com o passar do tempo, Iracema foi ficando cada vez mais pobre. Pedro, por sua vez, enriquecia cada vez mais. Com as riquezas de Iracema, acumulou capital suficiente para abrir fábricas em sua terra natal, depois indústrias, e hoje empresas muito bem sucedidas, que deixaram o seu país muito rico.
Quem olha hoje o contraste entre a pátria de Pedro e as terras de Iracema, jamais poderia imaginar que na raiz de tamanha diferença estão anos e anos de espoliação e roubo. Hoje parece muito natural que seja assim, que haja essa diferença gritante, tanto que diversas teses “científicas” querem nos fazer crer que a pobreza dos descendentes de Iracema, hoje, é fruto de sua indolência inata e incapacidade de ter um raciocínio econômico, enquanto que a riqueza do país de Pedro só pode ser explicada pelo empreendedorismo e pelo mérito dos homens de negócios racionais. Assim também, infelizmente, pensam os próprios netos de Iracema, que não conhecem o passado.
Muitos deles que vivem aqui nas terras pobres e espoliadas da sua ancestral também não conhecem a verdadeira história. Vivem falando mal dos seus irmãos locais, acham que eles são preguiçosos e acomodados, “não tem aquela civilidade e cultura dos homens lá do exterior”. Pensam que tudo de ruim faz parte quase de um tipo de gene do fracasso gravado inexoravelmente no nosso DNA. E assim sonham se mudar, viver nas terras onde a riqueza se encontra. Acham os seus irmãos daquelas terras distantes mais cultos e educados do que seus irmãos daqui.
Ahh se eles soubessem que toda essa educação, toda essa riqueza e essa cultura que eles têm foram pagas com o sangue e o suor dos seus antepassados espoliados…
Ahh se eles soubessem a verdadeira história… Talvez não fossem tão alienados, a ponto de amar os descendentes e as terras daqueles que o fizeram estar nesta posição desqualificante de hoje. São a causa de sua miséria.
Ahh se eles apenas soubessem… Não seriam tão injustos e sem orgulho próprio como são hoje.
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Fonte: Panorâmica Social.