Por Verônica Lugarini.
Durante três dias, Leonardo Padura trocou as palavras escritas pelas faladas. Interessado em compreender as motivações para se escrever romances, Padura se debruçou sobre as obras clássicas, conceitos de outros autores e definições de Milan Kundera para tentar definir um romance e sua motivação.
O primeiro ponto destacado pelo cubano foi a liberdade de construção. Um romance não tem as amarras dos poemas e das poesias que exigem uma arquitetura específica e não é como as peças de teatro que dependem de um tempo limitado para sua apresentação.
Em contraponto, os livros podem ser lidos em velocidades diferentes, em 2, 3 dias ou 1 ano. Por isso, existem clássicos de 100 páginas como “O Estrangeiro” de Albert Camus e “Dom Quixote”, de Miguel de Cervantes, com 800 páginas.
Ele reforça ainda que a “forma” do romance nunca foi fixada e nunca poderá ser porque é essencialmente maleável em sua estrutura. Dessa forma, há a absoluta liberdade criadora do autor – com maior ou menor talento – mas que, de todo modo, tem a intenção de revelar os comportamentos e atitudes da alma humana.
Para Kundera, o objetivo do romance é compreender a vida. “A única coisa que nos resta diante desse inelutável malogro que chamamos de vida é tentar compreendê-la. Essa é a razão de ser do romance”, diz o autor tcheco e Padura concorda.
Personagens
O escritor cubano analisou também a importância dos personagens, expondo dois deles que se tornaram eternos, demonstram enorme capacidade representativa e sobreviveram às suas próprias obras: “Dom Quixote de la Mancha” e “Madame Bovary”.
Ambos se tornaram paradigmas e inspirações de modelos de comportamento, quase como entidades romancistas. Nesse sentido, a trama cultural universal já não pode prescindir desses personagens.
Isso acontece, conforme Padura explica, devido à importância capital dos personagens que está na capacidade de universalizá-los e torná-los atemporal. Sentimentos como ódio, amor e sacrifício são eternos e estabelecem um vínculo com o leitor de outra época porque a conexão sentimental expressa a condição humana.
Assim, segundo o cubano, o universo prático do autor deve contemplar pelo menos 4 elementos para a concepção dos personagens: a constituição psicológica, social, literária e dramática.
A constituição psicológica se refere à individualidade do protagonista, como os componentes de personalidade e espiritualidade. Além de sentimentos, fobias, esperança ou a falta dela.
Os componentes sociais são, basicamente, o contexto. Ou seja, a época da história, a sociedade e a cultura em que o personagem está inserido.
Já a constituição literária envolve a compreensão desse personagem, se ele será o protagonista ou não e qual será ao tipo de narrativa. Por fim, a concepção dramática é o elemento aglutinador e determina das três componentes anteriores. Essa última etapa envolve a seleção, ordem de acontecimentos da narrativa e a sua estrutura.
Especificamente sobre romances policiais, Padura expõe a existência de muitos livros que se delimitam a apenas revelar o autor do crime. Todavia, é possível fazer outra narrativa policial com maior qualidade literária e com caráter social onde os personagens adquirem identidade sociológica e peso específico através das realidades sociais e históricas. Nesse sentido, o cubano elegeu como referência desse estilo literário o escritor espanhol Manuel Vázquez Montalbán.
Foi essa narrativa mais trabalhada que Padura teve como meta para o seu personagem Mario Conde da tetralogia “As quatro estações”. O escritor afirmou que Conde expressa as incertezas e os temores de sua geração, incluindo as exigências morais e sociais.
Tempo da escrita e da leitura
Alinhado com o pensamento de Kundera sobre o processo de mudança do escritor ao longo do tempo da escrita, Padura considera que o romance altera o escritor durante a produção do livro, ou seja, o autor não é o mesmo de quando começou. Há um processo de mudança durante a escrita do livro e o mesmo acontece com o leitor, algo que dificilmente ocorre com os poetas por conta de um tempo de criação menor.
Padura levou cinco anos para escrever “O homem que amava os cachorros” e não tem dúvida de que o tempo da escrita o alterou. Para o cubano, os romances devem ser escritos de maneira visceral e “O homem que amava os cachorros” prova que foi.