O problema da preservação da Amazônia contra as queimadas não é de “falta de dinheiro, mas de governo”, avalia com certa ironia o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini. “Salles age como sequestrador da Amazônia. ‘Olha, a floresta está aqui, se vocês me derem dinheiro eu deixo ela viver. Se vocês não derem eu não sei o que vai acontecer com a Amazônia e a culpa não é minha‘. É sempre essa postura não construtiva e de chantagear”, afirma o ambientalista.
Eles justificam que na lista dos países mais poluentes, o Brasil responde a menos de 3,4% das emissões globais. Enquanto a China e os Estados Unidos figuram no topo, com 26,7% e 12,6%, respectivamente. O presidente da República e o ministro ainda argumentaram que há supostos interesses comerciais que querem competir com o agronegócio brasileiro.
“Então, se nós estamos indo ajudar a resolver um problema que foram eles que criaram, eles também têm que nos ajudar a resolver o problema dos 23 milhões de brasileiros que foram deixados para trás na Amazônia”, alegou Salles, que disse esperar receber US$ 1 bilhão do governo de Joe Biden para combater o desmatamento ilegal no bioma em 12 meses.
Brasil e o aquecimento global
O secretário-executivo do Observatório do Clima contesta, contudo, que o Brasil tenha contribuído menos de 4% para a emergência climática do mundo. Em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, o especialista destacou que o desmatamento é hoje o “principal problema climático” do Brasil. E é responsável por até 5% das emissões de gases. “O que é relevante, considerando os 200 países no mundo inteiro”, ressalta.
Astrini alerta que o governo Bolsonaro “tenta enganar” a população sobre a participação do desmatamento na Amazônia Legal no aquecimento global. No território, o Brasil, de acordo com a organização, já seria responsável por até 4% dos gases poluentes emitidos. Um problema que se agrava com o avanço do desmatamento no país, onde está a maior parte do bioma (59%), de acordo com o Imazon.
Isso porque a Amazônia é uma “bomba de estoque de carbono”, um dos principais gases do efeito estufa. “No ritmo que está o desmatamento, se o Bolsonaro por exemplo ficasse no poder por mais 10 anos, o que não vai acontecer, a gente simplesmente perdia essa floresta. Porque o ritmo que ele impôs de destruição ambiental e de favorecimento do crime no Brasil é algo inédito”, explica.
“Teríamos um desmatamento que chegaria em um ponto em que a própria floresta começaria a se autodestruir, a entrar em colapso. E toda essa reserva de estoque de carbono estocada na Amazônia, que equivale à emissão de oito anos do mundo inteiro, vai para o espaço. E tudo isso está sendo conversado (na Cúpula do Clima), ou qualquer objetivo (de redução das emissões) não vai ser cumprido, porque a gente vai jogar muito mais problema para o aquecimento global do planeta. Então a responsabilidade do Brasil é muito grande, por isso que todo mundo tem uma atenção”, adverte o secretário-executivo.
O especialista também critica o apelo do governo Bolsonaro de que é preciso mais dinheiro para investir contra o desmatamento. O Observatório do Clima calcula que, desde 2019, o Brasil tem R$ 2,9 bilhões depositados no Fundo Amazônia que não são usados. O montante está justamente destinado para o enfrentamento da devastação ambiental, mas está paralisado pela gestão federal.
Nenhum novo projeto de preservação ambiental foi aprovado pelo fundo nos últimos dois anos. A regra para o uso do Fundo Amazônia é justamente o que trava o governo Bolsonaro. Os principais financiadores, Noruega e Alemanha, já interromperam a ajuda financeira por discordarem da política ambiental de Salles. Mas a gestão ainda busca outras formas de arrecadação para que o dinheiro “venha livre para o Brasil”.
Interesses políticos
De acordo com Astrini, o plano do governo é direcionar o montante para “interesses políticos”. Alguns deles foram anunciados em coletiva de imprensa pelo ministro do Meio Ambiente, na sequência da fala de Bolsonaro na Cúpula do Clima. Em que Salles defendeu, por exemplo, a criação de uma Força Nacional de Segurança, que na prática coloca a polícia no lugar de órgãos como o Ibama e ICMBio. “É como se fosse uma milícia oficial do próprio ministro, onde ele determina o papel policial do Estado contra quem vai ser usado”, descreve o secretário-executivo.
Salles também fala em “pagamento por serviços ambientais” na Amazônia, um eufemismo para financiar, na verdade, a grilagem de terra. “Gente que desmata ilegalmente, e que receberá por um projeto para reflorestar o que ele mesmo desmatou”, denuncia Astrini.