Por Lilian Campelo e Sara Pereira*.
“Eles dizem que isso vai trazer recursos, mas só traz prostituição, roubo, destruição de todo nosso povo”, diz cacique
Cerca de cem indígenas da etnia Tapajós ocuparam o prédio da Prefeitura de Santarém, no estado do Pará, nesta quarta-feira (7), em protesto contra o projeto de construção de um porto no Lago do Maicá. De acordo com os manifestantes, o empreendimento tem como objetivo atender apenas aos interesses do setor do agronegócio na região. Eles também bloquearam, por algumas horas, a BR 163, mais conhecida como Santarém Cuiabá, principal corredor de exportação da soja na região do baixo amazonas.
Na noite desta quinta-feira (8), os manifestantes ainda ocupavam a Prefeitura. Eles garantem que só sairão do prédio após audiência com o prefeito Nélio Aguiar (DEM). Em nota, a Prefeitura informou que os indígenas foram atendidos pelo prefeito em exercício, José Maria Tapajós (PR), já que Nélio Aguiar está em viagem de trabalho em Belém. Ainda de acordo com a nota, o prefeito receberia as lideranças nesta sexta-feira (9), às 11horas.
A líder indígena Auricélia Arapiuns ressaltou, em declarações ao Brasil de Fato, que a manifestação também é um ato contra as medidas do governo golpista de Michel Temer (PMDB), principalmente no que tange às demarcações dos territórios indígenas, atualmente paralisadas: “Aqui na nossa região, as demarcações dos territórios estão paradas, é uma manifestação contra todo o conjunto do que tem sido feito pelo governo federal, contra todas essas medidas que eles estão fazendo para atingir os diretos dos povos indígenas”.
Desenvolvimentismo
A mobilização ganhou fôlego nos últimos dias porque o projeto de construção do porto chegou a ser discutido, nessa semana, na Câmara Municipal. Além disso, a publicação de um artigo do diretor da Companhia de Desenvolvimento Econômico do Pará (Codec), Olavo Neves, também alimentou as suspeitas, levando os indígenas e movimentos sociais a ficarem alertas sobre a pauta de instalação de grandes empreendimentos na região. No texto, ele diz que, “por uma questão ideológica”, Santarém está sendo prejudicada porque “grandes empreendimentos não estão sendo implementados, não gerando desenvolvimento para a cidade”.
A visão de Olavo é contraposta pelo cacique Manoel Batista Munduruku, da aldeia indígena Pau Pixuna, localizada no Planalto Santareno. Em declaração ao Brasil de Fato, ele ressaltou que o lago do Maicá é fonte de alimento de muitas comunidades tradicionais e que o discurso de desenvolvimento que agronegócio supostamente leva para a região é uma falácia:
“Toda essa política do agronegócio dizendo que isso vai trazer recursos… Isso para nós simplesmente não vai trazer nada, só vai trazer prostituição, roubo, destruição de todo o nosso povo. Nós não aceitamos isso e, quando eles dizem que Santarém vai melhorar porque o agronegócio está trazendo recursos, isso não existe. A gente tem como prova o porto da Cargill [também em Santarém] e o tanto de impacto que ele já causou em nossas vidas”, diz o cacique.
A Cargill é de um grande terminal graneleiro que fica à beira do rio Tapajós, a maior trading de grãos estadunidense. O porto foi construído na orla da cidade, em terras onde existia um sítio arqueológico, ignorando os órgãos de proteção ambiental e o governo.
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) informou que o processo de protocolo de consulta às comunidades que vivem no entorno do Lago Maicá é atribuição da Fundação Palmares e que aguarda manifestação da entidade. O Brasil de Fato enviou um e-mail para a Fundação Palmares para verificar a tramitação ao processo de construção do porto no Lago do Maicá, mas não tivermos retorno até o fechamento desta reportagem.
* Sara Pereira é educadora popular na Fase – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional
Edição: Vanessa Martina Silva
Fonte: Brasil de Fato.