Para Haddad, desgaste popular de Bolsonaro é consistente

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Por Davi Nogueira.

Diante do comportamento do governo federal e, principalmente, do presidente Jair Bolsonaro na crise da pandemia da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, o que causa maior perplexidade aos historiadores é a questão: “Qual é o limite?”.

“Ao contrário dos estadistas do mundo todo, em vez de aproveitar a pandemia para unir, Bolsonaro jogou na desavença imaginando que ia reter os 30% (eleitorado que ainda lhe dá apoio, segundo pesquisas). O temor é que a adesão ao isolamento caia, enquanto as mortes e contágios crescem. Quando sairmos do isolamento, podemos estar no pico da pandemia”.

O alerta é do ex-candidato à presidência da República Fernando Haddad (PT) no programa Entre Vistas, que vai ao ar nesta quinta-feira (30), às 22h, pela TVT.

A uma pergunta do apresentador, o jornalista Juca Kfouri, sobre que iniciativas adotaria contra a pandemia caso tivesse vencido as eleições de 2018, o ex-prefeito paulistano citou quatro medidas: isolamento, testagem em massa, ampliação de leitos de UTI e aquisição de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) para profissionais de saúde. “Eles são os nossos soldados”, disse. Para ele, essas medidas teriam que ter sido tomadas 60 dias atrás.

Mesmo reconhecendo a impossibilidade de se ter todos os equipamentos há dois meses, Haddad ponderou que essas medidas, até hoje, ainda não foram tomadas. “Você não faz milagres em 60 dias, mas você age.” Para ele “Bolsonaro vem sabotando o trabalho de governadores e prefeitos desde o início da crise da pandemia.”

Ele também critica a absoluta falta de diálogo com a indústria, no sentido de se fazerem parcerias para “reverter o parque industrial” no combate o coronavírus, focando na produção emergencial de equipamentos. “Não estamos falando de turbina, mas de respiradores. Não vejo o governo com gabinete de crise.”

Haddad citou a postura do bolsonarismo perante governadores como do Rio Grande do Sul (Eduardo Leite), São Paulo (João Doria) e Rio de Janeiro (Wilson Witzel), ex-apoiadores de Bolsonaro, que, ao defender o isolamento social, são atualmente tratados como traidores. Nesse contexto, falou ainda da diferença de atitude entre o omisso governo brasileiro e o dos Estados Unidos de Donald Trump, maior ídolo político de Bolsonaro. “Os Estados Unidos mandaram frota de aviões para buscar (equipamentos) e chegaram ao ponto de intervir em aeroportos.”

Também mencionou a atitude de Trump, que esta semana recomendou ao governo da California fechar os voos para o Brasil – segundo a diretriz “America first” –, como medida de segurança contra a pandemia, o que, segundo ele, demonstra o desapreço do presidente americano pelo colega brasileiro.

Para Haddad, o desgaste do chefe de Estado brasileiro “não é pequeno como se fala”. “É consistente. O apoio a Bolsonaro deve se manter entre o núcleo duro, de 15% a 20%, formado por protofascistas”, acredita o petista. “Mas não é o senso comum. Ele vai perder aprovação em função desse desgaste.”

Na opinião do ex-prefeito paulistano, o eleitorado que tende a se voltar contra Bolsonaro foi “iludido” pela mídia no processo eleitoral. “A culpa da mídia é total. Eles omitiram o que puderam, fizeram vistas grossas para relação com as milícias.  Ele só ganhou eleição por causa de fake news e porque o mercado e meios de comunicação preferiram.”

Ele destacou que, embora a grande imprensa faça atualmente críticas contundentes ao “descalabro do governo” nas questões de educação, meio ambiente, relações exteriores e direitos humanos, ela nega espaço ao “outro lado” representado pelo PT, que tem a maior bancada na Câmara Federal, elegeu quatro governadores e foi ao segundo turno com 45% dos votos (47 milhões de eleitores).

Sonho das elites

“A estratégia deles é tentar recriar uma força que foi aniquilada em 2018, porque sonham com um segundo turno em que as forças progressistas não estejam representadas, num país de maior desigualdade do mundo.”

Não se deve esperar postura diferente das elites brasileiras, acrescentou. “Não vamos esperar mudança de comportamento por parte deles. Eles têm um projeto de poder ultraliberal que retoma um padrão excludente típico da colônia, do império, da Primeira República. Um padrão de desenvolvimento que não conta com a soberania popular, que sempre foi vista no Brasil como ameaça, como sinônimo de anarquia, de baderna, de comunismo, de populismo. Cada década eles inventam um nome.”

Questionado por uma internauta sobre a demora do PT em assumir o “fora, Bolsonaro”, Haddad respondeu que o partido não quis utilizar a Constituição para fins políticos “sem a certeza de que Bolsonaro tinha cometido crime de responsabilidade”. Agora, “o PT formou convicção, tanto que o STF autorizou inquérito (contra Bolsonaro). E por crime comum”. Resta construir o afastamento do presidente politicamente, porque, segundo ele, do ponto de vista jurídico o entendimento já foi consolidado.

Para Haddad, a mais grave atitude de Bolsonaro foi ter ido “à porta de um quartel pedir a volta do AI-5 e da ditadura militar”. “Se as instituições não derem uma resposta à altura – na minha opinião é o afastamento por crime de responsabilidade – vamos ter problemas muito sérios pela frente.”

O ex-candidato ao Planalto afirmou, sobre o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que seus movimentos demonstram apenas seus projetos pessoais. “Está olhando e fazendo cálculos o tempo todo. Diz o que diz fazendo cálculo, e não atendendo princípios éticos. Pode falar a verdade ou mentira de acordo com interesses dele”, afirma.

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