O governo Michel Temer confirmou, na quinta-feira (27), o bloqueio de R$ 5,9 bilhões em despesas, além de anunciar o remanejamento de outros R$ 2,2 bilhões do Orçamento de 2017. O objetivo é tentar cumprir a meta fiscal deste ano. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que já vinha sendo penalizado, será o mais atingido – vai perder R$ 7,48 bilhões. O corte nos investimentos atrapalha a recuperação da economia, aprofunda o desemprego e tem efeito negativo sobre o planejamento.
Com a decisão desta quinta, o total de verbas bloqueadas neste ano já alcança R$ 44,9 bilhões, o que causa preocupação de que haja paralisação de obras e impactos sobre a prestação de serviços à população.
O orçamento para 2017 do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que inicialmente era de R$ R$ 36,071 bilhões, vai encolher para R$ 19,686 bilhões. Significará um recuo de 45,3%. No primeiro trimestre, o governo já havia congelado R$ R$ 10,5 bilhões do maior programa de infraestrutura do país. Agora, decidiu que mais R$ 5,2 bilhões serão contingenciados e outros R$ 2,2 blhões realocados em outras áreas.
Para o economista Rodrigo Orair, o corte nos investimentos torna ainda mais difícil a retomada do crescimento. “Investimento público – ao lado de benefícios sociais de baixa renda – tende a ser uma das despesas com maiores efeitos multiplicadores no curto prazo. Então você está penalizando uma despesa que potencialmente tem maior efeito na conjuntura econômica”, disse.
De acordo com ele, apesar disso, os investimentos costumam ser os candidatos naturais ao contingenciamento. Isso porque nem estão entre os gastos constitucionalmente obrigatórios, nem impedem o funcionamento corrente dos serviços públicos. “O problema disso é o impacto macroeconômico. Obra é extremamente intensiva em mão de obra. Paralisar uma obra significa postergar o contrato com a empreiteira e dispensar os trabalhadores que estavam ali recebendo seus salários. Isso tem repercussões macroeconômicas”, afirmou.
Um segundo efeito negativo do corte em programas como o PAC, apontou Orair, é a paralisação de projetos, que cria uma “irracionalidade” no processo de planejamento de médio e longo prazos. “Os projetos vão tendo descontinuidades. Há uma janela de oportunidade, começa a tocar a obra, depois de repente paralisa em período recessivo. Ela vai ficar cinco, seis anos parada, e quando voltar, tem que fazer readequações. Então é uma maneira de desperdício de recursos públicos e cria um viés ruim no planejamento”, avaliou.
Meta difícil de ser cumprida
Ao confirmar nesta sexta (28) o novo contingenciamento, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, disse que, ao menos num primeiro momento, não haverá paralisação de obras. “Em princípio, isso não deve implicar na suspensão imediata de obra nenhuma, uma vez que há a perspectiva de que haja uma recomposição desses recursos ainda no decorrer do ano”, disse.
O problema é que, como bem ponderou o próprio ministro, o desbloqueio orçamentário dependerá da recuperação das contas públicas, algo que muitos economistas – e até mesmo setores da grande mídia – já consideram difícil de acontecer.
A avaliação é que, mesmo com o aumento da tributação sobre combustíveis, há grande chance de haver frustração de receitas. De acordo com O Globo, há o risco de que R$ 40,5 bilhões previstos em receitas não cheguem aos cofres públicos, pois dependem de negociações no Congresso ou de leilões de concessão e privatização ainda incertos. E há casos como o das verbas do Refis, que não devem ter o impacto estimado.
Com a arrecadação pior do que o governo imaginava, está cada dia mais difícil apostar no cumprimento da meta de déficit de R$ 139 bilhões.
Por que o governo resiste a alterar a meta?
Na ânsia de não ampliar déficit, outras medidas de ajuste já começam a ser cogitadas, como a elevação da contribuição previdenciária dos servidores federais e o aumento de outros impostos.
Em entrevista ao Vermelho na semana passada, a professora de Economia da UFRJ, Esther Dweck, avaliou que, melhor que se contorcer para alcançar o resultado previsto, seria reconhecer a impossibilidade de cumprir a meta e revisá-la, sob o argumento do baixo dinamismo da economia.
“Na atual situação, qualquer coisa que contraia ainda mais a economia é ruim. Melhor seria não aumentar impostos e reconhecer que não será possível cumprir a meta fiscal. O ideal seria avisar à população que a arrecadação caiu muito e que o governo precisa de maior espaço fiscal. A opção de manter o resultado fiscal é política, não econômica”, apontou.
Rodrigo Orair lembra que, em outros países do mundo, há mecanismos que permitem que, em momentos de contração da economia, os governos tenham maior flexibilidade nas contas públicas.
“Na União Europeia, por exemplo, você tem o que chamamos de cláusula de escape. Quando o PIB está crescendo abaixo de zero, ou seja, está em recessão muito forte, você fica dispensado de aumentar o seu resultado fiscal. É justamente para você não ter esse risco de ter que fazer um ajuste muito duro em período de grande crise”, citou.
O fato é que a cada dia aumenta a pressão para que Temer revise a meta. De acordo com a coluna de Mônica Bergamo desta sexta (28), parlamentares já se articulam para propor um projeto de lei aumentando o déficit em R$ 30 bilhões.
Ministros da área política, como Eliseu Padilha (PMDB-RS) e senadores como Romero Jucá (PMDB-RR), desde quando começou a ser discutido o Orçamento, já avaliavam que a meta deveria ser menos audaciosa, ficando em um déficit de cerca de R$ 170 bilhões. Na época, venceu a opinião do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que propôs um aperto maior e agora é o mais resistente a mudar a meta.
A teimosia em não alterar a previsão tem como pano de fundo não apenas a justificativa de que isso seria um golpe na credibilidade da equipe econômica junto ao mercado – o reconhecimento do fracasso. Há quem aposte que a gestão quer evitar dar o braço a torcer, seguindo os mesmos passos de Dilma Rousseff, a quem tanto criticaram exatamente por alterar a meta fiscal.
Vale lembrar que o argumento repetido à exaustão durante o processo de impeachment da petista era justamente o alegado “descontrole fiscal”. Os mesmos que criticaram à ex-presidenta e apoiaram seu afastamento, hoje estão no governo. E rever a meta pode significar ter que admitir que a condenação a Dilma, no passado, não se sustentava.
Dificuldades à vista
O novo contingenciamento afetou, em especial, o Ministério das Cidades, órgão responsável pela maioria das obras do PAC. Lá, houve corte de R$ 3,476 bilhões. Outras pastas muito impactadas foram os ministérios da Defesa (R$ 1.358 bilhões), Transportes (R$ 1.168 bilhões), Educação (R$ 550 milhões), e Integração Nacional (R$ 400 milhões). Mas o bloqueio se estendeu também a outras áreas: Cultura, Desenvolvimento Social e Agrário, Ciência, Tecnologia, Esporte, Minas e Energia, Planejamento e Presidência da República.
Há quem avalie que, caso a arrecadação continue a decepcionar e o governo não recue na meta fiscal, novos contingenciamentos podem vir, afetando em cheio a prestação de serviços. E a margem fiscal, que se tem para ajustar despesas sem causar a paralisação da máquina pública – o chamado shut down – está se estreitando.
Excesso de otimismo e escolhas desesperadas
Para Rodrigo Orair, o governo sofre agora as consequências de um excesso de otimismo. “Eles achavam que o plano de austeridade que estavam propondo ia reverter rapidamente as expectativas e a economia ia retomar o crescimento. Acho que houve excesso de otimismo. Não precisavam ter se proposto a aumentar tanto o resultado primário”, disse.
E agora, após a estratégia ter dado errado, a gestão corre contra o tempo para fechar as contas. De acordo com o economista, as escolhas feitas nessa situação terminam sendo as piores.
“Você termina sendo obrigado a fazer concessões, como é o caso do Refis, que perdoa dívidas tributárias em troca de arrecadação de curto prazo. E mesmo as medidas tributárias não são tomadas com base no que vai melhorar a eficiência e equidade da carga tributária. Exemplo recente é a alta de combustíveis, que é um elemento de custo fortíssimo para qualquer setor produtivo, que paga frete, e também afeta a cesta de consumo das famílias em um momento recessivo. Optou-se por isso só porque tem efeito arrecadatório de curto prazo”, avaliou.
Fonte: Portal Vermelho.