Por Bruno Lupion.
Dois governadores de Estados brasileiros se tornaram alvo de denúncias ou de investigações no fim do mês de março, em casos sem relação com a Operação Lava Jato. Na quinta-feira (30), o vice-procurador-geral da República, José Bonifácio, denunciou o governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB, pelo crime de corrupção passiva. O processo está no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele é acusado de ter formado uma aliança com o dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, e com o bicheiro Carlinhos Cachoeira para receber vantagens indevidas em troca de contratos com o governo goiano que provocaram prejuízo aos cofres públicos.
No mesmo dia, a ministra Nancy Andrighi, do STJ, autorizou a abertura de inquérito contra o governador Beto Richa, também do PSDB, para investigar se o político participou de fraudes na concessão de licença para um empreendimento na região do Porto de Paranaguá. O que há em cada um dos casos MARCONI PERILLO A denúncia acusa o governador de montar uma aliança com Cavendish e Cachoeira, nos anos de 2011 e 2012, que provocou prejuízos ao Estado de Goiás. Segundo o vice-procurador-geral, a empreiteira transferia dinheiro a empresas fantasmas abertas por Cachoeira, por meio de contratos simulados de prestação de serviço. As verbas eram, então, repassadas a agentes públicos em troca de contratos com o governo em valores acima dos praticados no mercado. Um dos agentes públicos beneficiados por Cavendish e Cachoeira, segundo a denúncia, foi Perillo.
O vice-procurador-geral afirma ter colhido provas, como extratos bancários e interceptações telefônicas, que demonstram que Perillo solicitou que a dupla pagasse uma dívida da sua campanha de 2010, no valor de R$ 90 mil. O credor era o marqueteiro Luiz Carlos Bordoni, que havia trabalhado para Perillo. Em troca, segundo a denúncia, o governo de Goiás ampliou o alcance de um contrato de locação de veículos entre a Delta e a Secretaria de Segurança Pública do Estado, e garantiu o pagamento em dia das parcelas devidas pelo governo, apesar de faltarem nos carros itens previstos na licitação, como rádios para comunicação policial.
O contrato custou, no total, R$ 75 milhões para alugar 1.981 viaturas. Segundo a denúncia, se os veículos alugados tivessem sido comprados, o valor seria de R$ 39 milhões. O advogado de Perillo, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou ao Nexo que o governador é inocente, está “tranquilo” em relação à denúncia e apresentará sua defesa ao STJ. Ele disse também que a denúncia é fruto do “momento punitivo” por qual passa o país. BETO RICHA A investigação aberta contra o governador do Paraná está sob sigilo. Segundo a TV Globo, o Ministério Público apura suspeitas de corrupção na concessão de licença ambiental pelo Instituto Ambiental do Paraná para a construção de um empreendimento.
Não há detalhes sobre quais são as menções ao governador no caso. A ministra Nancy Adrighi pediu que a Justiça de Paranaguá compartilhe provas coletadas durante uma operação realizada no porto da cidade e que a Polícia Federal colha depoimentos de três servidores do Instituto Ambiental do Paraná. A Procuradoria-Geral da República agora tem autorização para investigar formalmente Richa. Se encontrar indícios de crime, poderá denunciá-lo. Caso não haja elementos, deve solicitar o arquivamento da investigação. À TV Globo, Beto Richa afirmou, em nota, que considera um “absurdo” a inclusão de seu nome no inquérito e disse que a licença ambiental alvo da investigação foi concedida dentro da lei. Como os governadores são julgados A Constituição Federal determina que governadores de Estados só podem ser denunciados ou investigados pela Procuradoria-Geral da República, perante o STJ.
Além disso, mesmo que a Procuradoria-Geral da República tenha elementos para denunciar um governador, há uma camada extra de proteção: a necessidade de autorização da Assembleia Legislativa para a abertura de ações penais contra os chefes do Executivo. Em regra, os governadores têm grande influência sobre o Legislativo de seus Estados. Essa regra é estabelecida na Constituição Estadual de cada unidade federativa, e vale para Goiás e Paraná. Uma vez apresentada denúncia contra um governador, cabe ao STJ analisar se há elementos ou não para abrir uma ação penal. Caso a Corte decida pela abertura da ação, o caso é enviado à Assembleia Legislativa do respectivo Estado, que autoriza ou não que o governador vire réu.
O quórum para autorizar a abertura da ação penal é de dois terços dos deputados. Em fevereiro de 2015 o Supremo decidiu que o aval dos deputados para abrir ações penais contra governadores, quando previstos nas Constituições Estaduais, é válido. A Corte havia sido questionada pela OAB. Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a única Constituição que não exige autorização da Assembleia Legislativa para abrir ação penal contra o governador é a de Minas Gerais. Levantamento realizado em dezembro de 2016 pelo ministro Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, indica que desde 2003 o STJ solicitou 52 vezes autorização de Assembleias Estaduais para julgar governadores.
Destes, 36 não foram respondidos, 15 foram negados e um, autorizado. O caso mineiro O atual governador de Minas, Fernando Pimentel, do PT, foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República em maio de 2016 por suposto recebimento de propina quando era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, durante o governo Dilma Rousseff. Ele é acusado de receber R$ 2 milhões da montadora de veículos Caoa, representante da marca Hyundai no Brasil, em troca da concessão de benefícios fiscais.
Apesar de a Constituição mineira não exigir autorização prévia da Assembleia Legislativa para a abertura de ação penal contra o governador, Pimentel recorreu ao STJ para obrigar que seu processo fosse submetido antes aos deputados de seu Estado. Em outubro de 2016, a Corte decidiu, por oito votos a seis, que a ação penal só poderia ser aberta com autorização do Legislativo de Minas Gerais. O DEM moveu uma ação no Supremo pedindo que a necessidade de autorização dos deputados fosse considerada ilegal, o que suspendeu a análise do caso pela Assembleia Legislativa de Minas. O Supremo iniciou o julgamento, e cinco dos 11 ministros votaram para que Pimentel seja processado sem a necessidade de autorização dos deputados.
Outros quatro votaram contra. O julgamento foi suspenso em 2 de março de 2017 e deve ser retomado em abril. Governadores na Lava Jato Tanto Perillo como Richa também são alvo de outros pedidos de abertura de inquérito no âmbito da Operação Lava Jato, decorrentes das delações premiadas de ex-diretores da Odebrecht, segundo informações divulgadas pela imprensa. Além dos governadores de Goiás e do Paraná, também são alvo de pedidos de inquérito os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), Alagoas, Renan Filho (PMDB), e Acre, Tião Viana (PT). Há informações de que, além dos seis governadores acima, outros quatro também estariam nos pedidos de abertura de investigação. Os pedidos ainda estão no Supremo Tribunal Federal, e cabe ao relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin, decidir se os encaminha ao STJ. Fachin afirmou que anunciará sua posição em abril. Quando inquéritos ou ações penais contra governadores chegam ao STJ, os casos são remetidos à Corte Especial do tribunal.
Ela é composta por 15 dos 33 ministros do STJ e atualmente já conduz ações da Lava Jato. No decorrer da Lava Jato, a Corte Especial já recebeu procedimentos contra Tião Viana, do Acre, e Pezão, do Rio de Janeiro. Em outubro de 2016, os ministros arquivaram o inquérito contra Viana, alegando falta de provas sobre as suspeitas de recebimento de doação ilegal na campanha de 2014. O inquérito contra Pezão está em andamento. A Procuradoria recomendou arquivamento por não haver indícios de envolvimento dele nas suspeitas de doações irregulares à campanha de 2010, quando disputou como vice na chapa de Sérgio Cabral. O pedido está à espera da manifestação do relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão.
Fonte: Nexo.