Caído de um bolso de um jeans amarrotado e pernas galopantes, foi-se um papel
na poça de água suja da calçada quebrada, caiu o papel
fruto do suor, sangue e lágrimas, fruto do preto que corta a cana e do pintor, já preto da tinta que jorra na cara, sem dó nem piedade
fruto do pé que não nasce de graça, do pé que não nasce na terra, mas pisa nela,
pé preto, calejado que anda sete quilômetros, sete dias na semana, nos sete cantos desse Brasil
não descansa, não hesita, mata a sede com o próprio suor, que inunda os copos na mesa bonita, lustrada e cheia de comida, pronta pra alimentar as bocas famintas e as lixeiras tão cheias
cheias da comida que estraga e não alimenta a boca preta, morta de fome, que não esconde a costela branca, que estica a pele fraca que rasga a barriga
rasga a garganta, rasga o coração, rasga o papel, papel que só por ser de cor diferente, não pode comprar felicidade, papel que só porque é preto, não tem direito na sociedade.
Thiago Ouriques