Papa rejeita renúncia de cardeal alemão em meio a escândalo de abusos

Francisco reconhece que Igreja está em crise e precisa de reforma após "catástrofe" de abusos sexuais, mas pede a religioso alemão, que afirmou ser preciso compartilhar responsabilidade, que siga adiante como arcebispo.

“Alguns na Igreja simplesmente não querem aceitar este elemento de corresponsabilidade”, argumentou Marx em seu pedido de renúncia

O papa Francisco rejeitou a oferta apresentada por uma das mais proeminentes figuras da Igreja Católica na Alemanha, o cardeal Reinhard Marx, de renunciar com o argumento de que é preciso compartilhar responsabilidade pela “catástrofe” dos abusos sexuais cometidos por clérigos nas últimas décadas.

Numa carta divulgada pelo Vaticano nesta quinta-feira (10/06), o papa afirmou que “toda a Igreja está em crise” devido a escândalos de abusos, mas pediu ao cardeal para seguir adiante como arcebispo de Munique e Freising.

Marx, de 67 anos, que foi presidente da Conferência Episcopal Alemã de 2014 a 2020, havia anunciado na última sexta-feira que enviara ao papa a oferta de renúncia em 21 de maio. Ele disse que o papa havia dado permissão para que ele publicasse seu pedido enquanto aguardava uma resposta.

“Eu preciso compartilhar da responsabilidade pela catástrofe dos abusos sexuais cometidos por membros da Igreja nas últimas décadas”, escreveu ao papa. No texto o religioso, que nunca foi pessoalmente acusado de abuso ou de acobertar casos, disse que esperava que sua saída abrisse espaço para um recomeço.

Em sua resposta, escrita em espanhol e divulgada também em alemão, Francisco concordou com Marx em classificar como “catástrofe a triste história dos abusos sexuais e o modo de enfrentá-los adotado pela Igreja até pouco tempo atrás”.

“A Igreja inteira está em crise por conta da questão dos abusos”, e não pode seguir adiante sem assumir esta crise, escreveu. “Assumir a crise, pessoal e comunitariamente, é o único caminho fecundo, porque de uma crise não se sai sozinho, mas em comunidade.”

“Os silêncios, as omissões, dar peso demais ao prestígio das instituições somente conduzem ao fracasso pessoal e histórico e nos levam e viver com o peso de ter esqueletos no armário”, disse.

Francisco afirma que é necessária uma reforma na Igreja com relação aos casos de abusos e que esta não pode consistir apenas em palavras, mas de atitudes que tenham a “coragem de assumir a realidade seja qual for a consequência”.

Ao mesmo tempo, citou um trecho da carta de Marx em que o cardeal se ofereceu a continuar se engajando na renovação espiritual da Igreja defendida pelo pontífice. “E exatamente esta é minha resposta, querido irmão: continue fazendo como você sugeriu, mas como arcebispo de Munique e Freising”, escreveu o papa.

O papa agradeceu a Marx por sua coragem. “É uma coragem cristã que não teme a cruz, não teme ser esmagado diante da tremenda realidade do pecado.”

Décadas de abusos

A decisão surpreendente do papa vem após a Igreja Católica na Alemanha, assim como em muitos outros países, ser abalada por escândalos de abusos de menores e em meio a uma indignação crescente entre os fiéis alemães. No fim de maio, o papa enviou dois bispos estrangeiros de alto nível para investigar a Arquidiocese de Colônia, a maior da Alemanha, sobre seu tratamento de casos de abuso.

Para Marx, as investigações e os relatórios de especialistas dos últimos dez anos mostraram consistentemente que houve “muitas falhas pessoais e erros administrativos”, mas também “falhas institucionais ou sistêmicas”.

“Alguns na Igreja simplesmente não querem aceitar este elemento de corresponsabilidade e, portanto, também de cumplicidade da instituição, se opõem a qualquer diálogo de reforma e renovação em conexão com a crise do abuso”, escreveu.

Em vez disso, prossegue ele no texto, deve-se continuar com o “Caminho Sinodal”, iniciado na Alemanha e que conta com forte engajamento de Marx.

O “Caminho Sinodal” é o processo de reformas internas lançado pela Igreja Católica Alemã após os escândalos causados por casos de abuso sexual e se baseia em um debate com os fiéis. Ele trata de questões relacionadas à moral sexual e à abordagem da instituição em relação aos homossexuais.

Em 2018, um relatório encomendado pela Igreja concluiu que pelo menos 3.677 pessoas sofreram abusos de clérigos na Alemanha entre 1946 e 2014. Mais da metade das vítimas tinha 13 anos ou menos quando o abuso aconteceu.

Três quartos das vítimas tinham uma relação litúrgica ou didática com os acusados, por exemplo como ajudantes de missa, alunos de catecismo, ou aspirantes à primeira comunhão ou crisma.

No início deste ano, outro relatório sobre abuso sexual no país, relacionado à diocese de Colônia, trouxe à tona vários casos de abuso sexual por sacerdotes. O arcebispo de Hamburgo, ex-funcionário da Igreja de Colônia e que foi responsabilizado nesse relatório, ofereceu sua demissão ao papa e obteve “período ausente” de duração indeterminada.

lf/as (Efe, AFP, DPA, AP, ots)

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