Por Victor Farinelli.
“Quero ser muito claro no que vou dizer, como foi João Paulo II, para, humildemente, pedir perdão pelas ofensas da própria Igreja contra os povos originários, e também pelos injustificáveis crimes cometidos em nome de Deus durante a chamada conquista da América”.
Essas foram as palavras que o papa Francisco dedicou aos milhares de presentes no Encontro dos Movimentos Populares e Indígenas, um dos eventos ao qual compareceu durante sua viagem a Bolívia. A plateia repleta de líderes de comunidade indígenas de todo o continente aumentou o simbolismo das palavras entregues pelo pontífice, no evento realizado em Santa Cruz de la Sierra.
Francisco e Evo Morales com crianças indígenas e camponesas, pouco antes do Encontro dos Movimentos Populares e Indígenas, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. (Foto: TeleSur)
Assim, o primeiro papa latinoamericano da história contestou a versão que mostra os catequizadores como responsáveis por um papel colaborativo e diplomático com as comunidades indígenas nos primeiros anos da colonização – difundida em alguns países, entre eles o Brasil – e reconheceu que, muito pelo contrário, foram cometidos, em nome de Deus, graves pecados contra a vida dos índios americanos desde o Século XVI em diante.
A citação a João Paulo II faz menção ao fato de que ele fez um gesto parecido em 1992, quando se celebravam os 500 anos da viagem de Cristóvão Colombo. Naquela ocasião, durante missa realizada em Santo Domingo, capital da República Dominicana, o papa polonês pediu que os fiéis latinoamericanos perdoassem aqueles que “cometeram crimes e causaram dor e sofrimento aos vossos antepassados”, dando a entender um reconhecimento da responsabilidade da Igreja nesses crimes, mas não de forma explícita.
Esta segunda edição do Encontro dos Movimentos Populares, que desta vez incluiu os movimentos indígenas, inclusive no nome do evento – o primeiro evento aconteceu em outubro de 2014, em Roma –, foi organizado conjuntamente pelo Vaticano e o governo da Bolívia, pelo que contou com a presença do papa Francisco, do presidente boliviano Evo Morales e de diversos representantes de movimentos sociais e indígenas de vários países do mundo, especialmente da América Latina – entre os brasileiros, estiveram presentes delegações dos MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Durante seus discurso, Francisco disse também que “a distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho não é mera filantropia, e sim um dever moral, e mais forte ainda para os cristãos, já que se trata de um mandamento, do dever de devolver aos pobres e ao povo aquilo que lhes pertence”, e que “a concentração monopólica dos meios de comunicação pretende impor pautas alienantes de consumo e certa uniformidade cultural”.
Evo Morales presenteia o papa Francisco com uma réplica da Cruz de Espinal. (Foto:AFP)
Além disso, o papa também classificou o capitalismo como uma “ditadura sutil”, e pediu questionou “este sistema que impôs a lógica do lucro que não se importa com nada, que não pensa na exclusão social ou na destruição natureza que se gera em seu nome”. Finalmente, apelou a que “se é assim, insisto, é preciso dizer sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema já não se aguenta. Os camponeses, os trabalhadores, as comunidades e os povos já não são capazes de aguentá-lo. Tampouco a Terra o aguenta, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco, pode suportar esse nível de superexploração”.
No mesmo evento na Bolívia, o presidente Evo Morales entregou a Francisco uma cruz em forma de foice e martelo, com o mesmo desenho criado pelo sacerdote jesuíta Luis Espinal Camps, que também era artista plástico e cineasta, e que foi encontrado morto no dia 22 de março de 1980 – dois dias antes do crime contra o monsenhor Óscar Romero, em El Salvador. Espinal foi torturado e assassinado por grupos paramilitares de extrema direita, semanas depois de várias tentativas de denunciar ao Vaticano os crimes realizados pela ditadura e pelas milícias de extrema direita contra as comunidades indígenas e camponesas no interior da Bolívia.
Antes do Encontro dos Movimentos Populares, Francisco visitou o túmulo de Luis Espinal Camps, e orou por ele.