“Panelaço cultural” na Argentina contra a lei ônibus e o DNU de Milei

Foto: Verónica Bellomo

Por Andrés Valenzuela, Página/12.

Nem a chuva nem o resignado cordão policial impediram o “panelaço cultural” convocado pela multissetorial Unidxs por la Cultura na Plaza Congreso, CABA, e em outras 39 cidades do país. Além da concentração em Buenos Aires, a atividade teve pontos fortes nos subúrbios de Buenos Aires, no circuito das montanhas de Córdoba e em diferentes centros da Patagônia. Sob o lema “Acendemos a luta para que não desliguem a cultura”, milhares de manifestantes em todo o país repudiaram a DNU, a lei ônibus e o protocolo anti-repressivo recentemente emitido e promovido pelo governo de Javier Milei.

O movimento cultural na Argentina é enorme e muito diversificado. Raramente todos os seus setores se mobilizam, mas já durante a campanha eleitoral diferentes atores começaram a alertar sobre os perigos de uma vitória do libertarianismo (ou seja, do neoliberalismo) encarnado por Milei. O panelaço cultural é mais um passo na articulação do setor: um elemento central da convocação de hoje foi convidar outros atores do universo das artes a se juntarem ao coletivo. “A Unidxs por la Cultura é uma coordenação para reunir todas as partes, queremos engrossar as comissões de trabalho”, bradaram pelos alto-falantes. A partir da convocação, a proposta é realizar uma grande assembleia cultural nacional na Plaza Congreso no dia 20 deste mês, como prelúdio da greve nacional convocada pela CGT para o dia 24. Nesse sentido, também pediram publicamente aos sindicatos ligados à cultura que façam uma greve ativa com mobilização acompanhando a do dia 24.

O setor audiovisual, que estava preocupado com o fechamento do INCAA, mas também com o Instituto Nacional de Teatro, o ENERC e o Fundo Nacional de Artes, foi particularmente proeminente na convocação. Entre as preocupações que poderiam ser percebidas no Congresso, o possível fechamento do INAMU (Instituto Nacional de Música) e as intenções do governo de desfinanciar a Conabip, bem como outras possíveis “consequências nefastas” para a riquíssima rede cultural em todo o país.

Mesmo com a chuva, outros setores também expressaram seu repúdio às políticas de Milei. Desde a dança e o tango até as artes visuais e gráficas e até mesmo grupos menores, como os modelos vivos, podiam ser vistos na praça e em suas ruas.

Foto: Verónica Bellomo

“Acreditamos que deve ser uma atividade muito horizontal, não organizada de cima para baixo”, explicaram os organizadores. Não houve uma lista de oradores no formato tradicional. As adesões foram lidas e os slogans da manifestação foram repetidos, com os líderes da Unidxs por la Cultura circulando pelo espaço, mas além de algumas ações coletivas (como o “candombe para Milei” ou o chamado para acender as lanternas quando o sol se pôs), cada setor contribuiu com suas próprias intervenções: houve circo, música, malabaristas, tango nos semáforos e muitas panelas, frigideiras, instrumentos e colheres para fazer barulho.

“Nós, que trabalhamos com cultura, cinema, televisão, teatro, dança, música, bibliotecas populares, mídia comunitária e cooperativa, expressamos nosso mais enérgico repúdio à tentativa de subjugar nossos direitos, por meio do Decreto de necessidade e urgência 70/2023 emitido pelo Presidente Javier Milei e do projeto de lei ônibus ‘bases e pontos de partida para a liberdade dos argentinos’. Ambos os instrumentos têm o objetivo de modificar e/ou revogar mais de 300 leis existentes com graves consequências para as condições de vida de todas as pessoas, a política e a cultura de nosso país”, disseram repetidamente.

O dia começou calmo, com os primeiros manifestantes examinando as nuvens e rezando para que o aguaceiro se afastasse. No final, na capital nacional, a chuva não parou e, à medida que os minutos passavam, mais e mais manifestantes se reuniam, ocupando uma a uma todas as faixas da Solís (ali onde se finge ser uma rotatória). O Página/12 ouviu um policial explicar aos organizadores que eles precisavam se mover um pouco, mas suas palavras não tinham convicção e, no final, o pseudo-corte foi organicamente imposto. O cordão de infantaria, com escudos, mas sem muita parafernália à vista, se resignou a ocupar o cordão da Av. Entre Ríos, diante da evidência de que, longe de diminuir, o número de manifestantes aumentaria.

Além das palavras de ordem contra a DNU e a lei ônibus, havia também proclamações contra o extrativismo, a rejeição do pagamento da dívida externa, pela “soberania cultural e independência econômica” e, para os deputados e senadores, uma especial: “estamos de olho em vocês, legislem para o povo”.

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