Por Paulo Horta.
Hoje acordei em mais um dia em nosso isolamento social sob os gritos dos arautos do apocalipse. Do alto de suas torres de vidro, rodeados de egos e ódios, eles nos mandam mensagens no instagram, twitter, whatsapp, ou no facebook nos mandando para as ruas. Eles nos pedem envio para o combate de um inimigo que não conhecemos, dizendo que não podemos deixar a nossa economia morrer. Nos jogos de guerra de Paulo Guedes, se defende o isolamento vertical. Alguns em seu batalhão chegaram a flertar com a ideia de que devemos colocar os nossos idosos em campos de concentração. Ofereceram 200 reais como ajuda para brasileiros e de maneira sórdida empurraram muitos para as trincheiras que sustentam suas regalias de banqueiros. Agora esse arauto de Chicago anuncia um pacote de 147 bilhões para alimentar a sua tropa. Entretanto para seus soldados, que somos todos nós brasileiros, ele vai dedicar um pequeno percentual desse valor, que será parcelado em três vezes. Fazendo chacota com os brasileiros, ele parcela nossas necessidades de comer, morar, vestir, como se fossemos objetos inanimados, produtos disponíveis para saciar sua sede neoliberal. Por outro lado, para garantir a saúde de seus bancos, do capital especulativo, o ex-banqueiro e seus colegas de profissão planejam destinar cerca de 1 trilhão de reais para a manutenção das necessidades básicas da minoria milionária que nos governa. E assim no mundo inteiro se vê utilizarem as riquezas geradas pela força do trabalho para manter vivo um sistema que está matando o trabalhador há décadas ao custo de uma guerra mundial.
Para seguirmos no caminho que nos trouxe até aqui precisaríamos de um inimigo. Segundo sabichões e descuidados de plantão esse inimigo tem nome e genoma, chama-se SARS-CoV-2. Bolsonaro e seu gabinete de ódio, atacam a moral até do pretenso inimigo, e apresentam a pandemia como gripezinha que facilmente seria debelada por sua condição atlética e genialidade. Bolsonaro diz que o coronavírus é inimigo comum, nos convoca e nos envia com suas ferramentas mentirosas para o corpo a corpo das ruas, ônibus, lojas, agências bancarias e fábricas. Em suas últimas manifestações, ao som do protesto das panelas brasileiras, ele inclusive admite que ir para as ruas pode acabar com algumas mortes, mas que isso seria um efeito colateral necessário e aceitável para salvarmos a economia. Os nesse momento cerca de mil mortos pela pandemia já carregam em seus prontuários as digitais do presidente e de seu desgoverno. É sempre bom lembrar que o capital, os bancos, a economia, eles não tem filhos, ou netos, não são pais nem mães, eles não são pessoas. Neste governo todas as atenções se voltaram para as necessidades do mercado, não tem ninguém que possamos dizer efetivamente preocupado com o povo Brasileiro. Até mesmo o Ministro Mandetta, executivo de planos de saúde e um velho opositor da Saúde Pública e do Mais Médicos, que viu neste momento oportunidade de voo mais alto na política, e seguia titubeante os manuais das Organização Mundial de Saúde, agora, sob a pressão de perder o cargo e o palanque, abranda sua posição quanto as medidas restritivas, e coloca a cloroquina no cardápio para saciar gulosos laboratórios. Todos na ânsia de salvar suas fortunas e regalias se esqueceram que a pandemia é um problema de saúde pública, e saúde não se combate guerra. Saúde é promovida com informação, infraestrutura e equipe técnica qualificada devidamente valorizada e resguardada.
Do alto destes dias de isolamento o mundo começa a perceber que precisamos uns dos outros. Percebemos que o capital não se sustenta sem o trabalho e quem trabalha são seres humanos. Foram décadas de desinformações, de indústrias do cinema que criaram inimigos e guerras, que construíram uma sociedade que estava doente. Admitimos até aqui que pessoas passassem fome, que brasileiros não tivessem onde morar, que sucateassem nossas escolas públicas e que desvalorizassem nossos professores. Permitimos que queimassem nossas florestas, que poluíssem nossas águas e que pintassem de cinza nosso céu. Todos estes crimes patológicos minaram a saúde do planeta e de cada um de nós. Hoje as mudanças climáticas representam a febre, a perda de diversidade a hemorragia que vai nos tirando a vida lenta e gradualmente. O Coronavírus que hoje nos aflige é mais um sintoma que deixa claro que a humanidade e o planeta estão doentes. Se temos um inimigo comum, que devemos temer e desnudar suas faces perversas, este é o momento atual do capitalismo, do neoliberalismo. Contra este sistema que alimenta a necropolítica vale mobilizarmos uma revolução solidária.
Enquanto construímos as bases da unidade para as transformações que precisamos, as interdependências da natureza e de nós humanos vão ficando mais evidentes. O presente momento escancara este laço vital e revela que existe uma só saúde, um só povo nesse planeta que também é único. Com ciência e educação podemos aprender com o passado e oferecer novos e seguros caminhos para as futuras gerações. Hoje está claro que deveremos tratar desse momento com respeito, com carinho e afeto, especialmente com aqueles que cuidam da nossa saúde. É dever do Estado agora e sempre prover aos Brasileiros os meios para que estes sanem todas as suas necessidades com a devida segurança. O Estado deve salvaguardar com informações e ações nossas famílias e lares. Não será com ódio, não será com guerra que venceremos a pandemia. Será um sistema de saúde público robusto e universal que poderá tratar com dignidade aqueles que contraíram o vírus. Serão universidades e centros de pesquisa devidamente financiados e equipados que poderão descobrir as devidas terapias para esta e outras patologias. Deverá ser com informações, com a promoção e disseminação da arte e da cultura que poderemos dar alento para os dias e noites que estamos vivendo. Assim continuaremos a vencer os desafios, sendo bravos, fortes e saudáveis em nosso isolamento. É páscoa e independente de nossas convicções ou religiões devemos exercitar, hoje e sempre, o amor como for de expressão humana para inspirar nossas ações, nossa forma de ser. Portanto, serão gestos humanos, serão gestos de amor, que nos farão encontrar a cura para a nossa sociedade, de todas as suas patologias. Não estamos em guerra, estamos vivendo a oportunidade de construir um grande movimento de reconstrução da paz e da solidariedade no combate ao vírus. É com distanciamento social que daremos nossa prova de bravura. É assim que faremos o melhor enfrentamento da pandemia! Fique em casa.
Paulo Horta é professor da UFSC.
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