Pandemia já fez setor cultural perder metade da receita

Pesquisa mostra como a crise sanitária atingiu trabalhadores e produtores de atividades culturais e comprova urgência dos recursos da Lei Aldir Blanc

Imagem: Reprodução

Resultados preliminares da pesquisa nacional que tenta avaliar os impactos da pandemia do novo coronavírus no setor cultural comprovam perdas importantes em termos de receita, na projeção para o futuro e na contratação e compra de insumos e materiais. Divulgada nesta segunda-feira (29), o levantamento “Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil” adverte para um cenário “extremamente preocupante”, que pode ser atenuado temporariamente, com os recursos esperados após sanção presidencial da Lei Aldir Blanc, que ocorreu ontem.

Do total de 1.085 respostas já recebidas, de todo o país, todos foram unânimes em informar queda de receita. Entre março e abril, o faturamento do setor caiu 34% em relação ao período pré-pandemia. Entre maio e julho, foi de 44,7%. A projeção para o período de agosto a outubro é de perda de cerca de 50%.

Aberta no dia 10, até o momento a pesquisa abordou, em sua grande maioria, trabalhadores ligados a atividades culturais, ou seja, pessoas físicas – quase 70% responderam o levantamento. Os outros 30% incluem empreendedores, representantes de coletivos ou comunidades, registrados como pessoas jurídicas. O questionário permanece público para colher respostas até 16 de julho. Mas de imediato confirma que esse será o último setor a retomar a viabilidade econômica no pós-crise sanitária.

“Com o prolongamento da pandemia, a projeção é que essa queda de receita seja ainda mais grave”, alerta o consultor internacional para cultura, artes e economia criativa Pedro Affonso Ivo Franco, em entrevista ao jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.

Impactos por estado e setor 

Dados da Unesco, uma das parceiras da pesquisa, ressaltam que a previsão era de que os setores culturais e criativos participassem com R$ 43,7 bilhões do PIB brasileiro até 2021. No ano passado, os dois setores movimentaram R$ 171,5 bilhões, o equivalente a 2,61% de toda a riqueza nacional. Ao menos 837,3 mil profissionais estavam empregados.

Franco pondera que a pesquisa está dividida por setores e estados, o que provoca algumas diferenças, a depender das políticas locais de aporte e apoio. Os dados preliminares indicam que a maior parte das respostas validadas estão distribuídas por São Paulo, Paraná, Pará, Amazonas e Pernambuco.

Amapá, Roraima, Rio Grande do Norte, Rondônia e Tocantins são, em ordem descrente, os estados com a menor participação na pesquisa. Até o momento, o maior impacto em termos de receita, segundo o levantamento, teria ocorrido no Rio do Grande do Sul, onde 63% disseram que não tiveram receita entre março e abril, assim como no Amazonas. Já o menos afetado teria sido São Paulo, onde 31% responderam ter perdido toda a receita.

No geral, os setores de arte performática que inclui música, teatro, dança, festivais e festas, por exemplo, e o de artes visuais e artesanato são os que mais estão sofrendo.

Obstáculos na distribuição

A maioria dos atores, músicas e produtores disseram ter dificuldade em levar suas produções para o meio virtual. “Ao mesmo tempo em que a grande parcela deles dizem que sim, que é possível levar essa produção on-line, a mesma quantidade de pessoas informa que o acesso à infraestrutura de internet é muito ruim em suas localidades”, explica Pedro Affonso.

Em tempos de live, esse dado indica que, apesar de muitos artistas serem patrocinados na realização desses eventos , a maior parte nem sequer tem acesso à estrutura. Algo preocupante do ponto de vista não só da manutenção e renda desses trabalhadores, mas em relação à difusão da cultura no Brasil.

“Mais do que nunca a gente está percebendo a importância da cultura e da expressão da criatividade humana”, destaca Franco. “E existe todo um processo de mídia e de marketing que não atinge, eu diria, 85% dos produtores e distribuidores culturais e criativos do país. Então medidas a médio e longo prazo são extremamente importantes. Esse é um setor que vai ser extremamente relevante no processo de retomada do que está sendo chamado de ‘novo normal’”, ressalta.

“A cultura e a criatividade são setores leves. Como a gente sabe, eles não requerem um investimento tão alto como outros setores de infraestrutura etc. E têm revertimento socioeconômico educacional importantíssimo, seja para as comunidades ribeirinhas, rurais, urbanas, periféricas. É um setor que a gente tem que advogar.”

Lei Aldir Blanc

A pesquisa abre uma discussão sobre outros mecanismos que poderiam atenuar situação dos trabalhadores e produtores culturais nesse momento de crise. Ela é resultado do esforço coletivo de pesquisadores, da sociedade civil e instituições parceiras. Além da Unesco, também apoiam o levantamento o Sesc, o Fórum Nacional dos Secretários de Cultura e a Articulação Nacional da Lei Aldir Blanc. As secretarias de Cultura da Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraná, Sergipe e Pernambuco também assinam o projeto.

Nesta segunda, em meio à divulgação dos resultados preliminares em debate virtual, os participantes receberam a notícia de sanção presidencial à Lei Aldir Blanc. A medida destinará R$ 3 bilhões em auxílio emergencial aos trabalhadores e subsídios para a manutenção de espaços artístico e culturais, microempresas e pequenas empresas e coletivos do setor.

O consultor internacional lembra que a pesquisa comprova “um impacto extremamente preocupante, que exige a Lei Aldir Blanc”. “Esse mecanismo precisa de fato ser muito bem distribuído aos estados e municípios para que possam, em suas localidades, mitigar esse impacto, que de fato é devastador”, afirma.

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