Pai, você é abusivo

Por Isabela Kanupp.

Pai, eu te amo, mas você é abusivo.

Você foi abusivo quando aos 11 anos minha mãe faleceu na minha frente, e eu fui te consolar no velório e você disse: “você quem matou sua mãe”.
Você foi abusivo quando aos 13 anos eu comecei a cuidar de você sozinha.
Você foi abusivo quando ao perceber que sua doença degenerativa estava avançando e que você ficaria mais dependente, se negou a pedir ajuda para outros familiares maiores de idade e com mais estrutura emocional para cuidar de você.
Você foi abusivo quando me chantageava por te deixar sozinho em casa, mesmo se fosse para eu ir ao médico, dizendo que se você morresse enquanto eu estivesse fora a culpa seria minha.
Você foi abusivo quando dizia aos seus familiares, que nunca nos ajudaram em nada, que eu não cuidava de você, mesmo eu tendo apenas 15 anos e fazendo o máximo que eu podia.

Pai, eu te amo, mas você é abusivo.

Você foi abusivo quando eu tinha 16 anos e você me bateu porque eu atrasei um pouco o almoço. Mesmo doente você conseguia me bater.
Você foi abusivo quando me dava dinheiro para fazer a compra do mês – e eu que me virasse com 200 reais – e depois alegava que eu estava te roubando.
Você foi abusivo quando convidou meu namorado para morar com a gente, mesmo sem consultar se eu gostaria disso.
Você foi abusivo quando me viu sendo agredida e não denunciou, não contou para seus familiares, não impediu mesmo que fosse gritando para parar. Era sua casa. Era sua filha.

Pai, eu te amo, mas você é abusivo.

Você foi abusivo quando ao me separar e amigos me ligarem para saber se eu precisava de algo você disse: “seu marido mal saiu de casa e você já tá procurando macho!”
Você foi abusivo quando ficou muito ruim por falta de remédio – que não era culpa nem minha, nem sua, mas do Estado – e quando eu chamei seus familiares para nos ajudarem (por eu não saber mais o que fazer), você deixou eles me acusarem de maus tratos e eu tive de enfrentar até policia sozinha porque você se omitiu.
Você foi abusivo mesmo quando foi morar sozinho. Mesmo quando meu irmão veio morar perto da gente. Você foi abusivo quando a assistente social foi na sua casa e disse que era minha obrigação cuidar de você por ser mulher e mesmo você sabendo que não era, você não questionou, não me defendeu, não desmentiu as acusações absurdas dela.
Você foi abusivo quando nas duas vezes em que você ficou internado e eu fiquei como sua acompanhante no hospital me dizia que aquilo era culpa minha porque nunca cuidei de você.

Pai, permaneci não por amor, não por motivos financeiros – já que não dependia mais de você desde que vi que o dinheiro era motivo de chantagem emocional -, mas por questões morais. Porque a sociedade me fez acreditar que eu tinha uma responsabilidade moral com meu pai, não por ser filha dele, mas por ser filhA. Por ser MULHER.

Se todas essas questões foram abusos ou não, não sei ao certo. O que sei, pai, é que não importa. Não importa para a sociedade. Sabe por que? Porque homem é assim mesmo. Porque pai é pai. Porque relações abusivas entre pais e filhas são cotidianas, normatizadas e endossadas pela nossa sociedade.
Nossa sociedade protege o pai e escracha a mãe.
Nossa sociedade endossa o abandono paterno, o abuso nas relações entre pais e filhas e ainda assim, te diz que você tem sorte por ter um pai ao seu lado. Se reclamar é mal agradecida.
Quando mães abusam de seus filhos NINGUÉM pergunta onde o pai deles está.

Pai, eu te amo e já te perdoei por diversas coisas, mas isso não apaga o fato de você ser um abusador psicológico e ninguém ver. Não apaga o fato de você ser um abusador psicológico e mesmo quando veem, fingem que não. Pai eu te perdoei, mas não aceito viver mais em abuso já há algum tempo.

Pai, você é abusivo.

Esse texto é dedicado a todas as pessoas que passaram e passam, quando não por abandono paterno, por abusos psicológicos – e físicos – dos seus pais e ninguém questiona. É dedicado em especial a uma pessoa que passou na minha vida, e que desde nova ouvia do pai policial que se ela fosse estuprada era porque merecia, que eu espero do fundo do meu coração que um dia ela consiga se livrar das amarras que a prendem nessa relação.

Fonte: Para Beatriz

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